MONGE: ASCESTA DO AMOR

PEREIRA monja Rebeca



“O impulso que produziu o vôo original ao deserto tebático do Egito (Thebaída) foi... o impulso elementar do Cristianismo, que tudo desperta a Deus, abandonando todas as coisas e influências deste mundo a fim de melhor se preparar ao Reino dos Céus”.
Hieromonge Serafim (Rose)

O monaquismo encarna a mais elevada forma de vida ascética que o homem dispõe para responder ao amor louco do Deus que deseja ardentemente o divinizar, a fim de o tornar semelhante a Ele. O homem torna-se então pequeno deus, possuindo todas as qualidades próprias de Deus Ele-Próprio, a mesma glória, a mesma beatitude, idêntica em tudo, menos em essência (segundo São Máximo o Confessor).

O monge nada mais é do que um cristão que se compromete em levar mais a sério a realização desta sinergia; sua cruz não é nem maior nem mais pesada; no entanto, por ter se comprometido em servir este Deus pessoal, sua responsabilidade torna-se maior, sua cruz, talvez, possamos assim dizer, deve sempre lhe remeter esta aliança que ele escolheu sêlar pelo resto da sua vida...até a eternidade dos séculos. E porque ele escolheu livremente sua vocação, sua noção de liberdade está relativamente implicada nesta santidade que ele busca realizar. A santidade é um convite feito a todos os cristãos, este é o objetivo último da nossa Fé, da nossa vida em Igreja, enfim, da nossa existência nesta terra. Caminhos diferentes são, em verdade, o monaquismo e o matrimônio; ambos são convite à esta santidade da qual toda alma tem sede de ser saciada, porque todos fomos criados à Sua imagem e semelhança, todos, sem exceção alguma, e todos temos este mesmo apêlo interior, cada um de sua forma, com sua tonalidade própria, através de sua vocação singular, reunidos neste Corpo que se chama Igreja, realizamos este caminho de retorno à Pátria tão almejada, a Jerusalém do Alto.

Uma vida de santidade é necessária para tornar efetiva a união de Deus com o homem, o que quer dizer, sua divinização. Para atingir estes cumes de santidade é necessário lutar para realizar os Mandamentos de Deus. Estes Mandamentos não são os caprichos de um tirano mas, no entanto, uma cura terapêutica destinada a restabelecer nossa natureza corrompida. O Senhor não nos deu os Seus Mandamentos do alto de Sua grandeza divina mas antes desceu Ele Próprio, no meio de nós e põe-se a observá-los, exortando-nos a imitá-Lo como se nós fôssemos verdadeiramente Seus filhos, Seus irmãos ou Seus amigos – “Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando” (Jo.15,14). É desta forma que concebemos o Cristianismo; não como uma teoria abstrata, mas antes como o pôr em prática (concretamente), uma confissão de fé.

Confrontados com as solicitações sensuais do pecado que o espírito do mundo, a carne e o diabo suscitam, o cristão confessa a sua fé no Cristo nosso Deus, rejeitando o pecado e manifestando o seu amor por Deus pela observância de Seus Mandamentos. Cristo nos convidou a pôr em prática a vontade de Seu Pai celeste, da mesma maneira que Ele foi “obediente até à morte, e morte de cruz!” (Fp. 2,8). É precisamente a observância dos Seus Mandamentos que constitui o modo de comunhão entre o Deus pessoal e o homem.

O homem contemporâneo, alimentado de ideologias materialistas, não tem a mínima idéia do que seja a paz interior e a calma concedidas pelo Espírito Santo àqueles que vivem em harmonia com os Seus Mandamentos. Eis porque a temperança dos sentidos face aos prazeres e às tentações laboriosas para adquirir as santas virtudes – tentativas – fundadas sobre o sacrifício de seu ego ao benefício dos outros – são consideradas como que uma “loucura”. Esta “loucura” da Cruz é o convite evangélico de Cristo: “Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-Me” (Mt.16,24). Este convite fora considerado como que fundamental para os primeiros cristãos, os santos ascetas, e nos dias de hoje para todo cristão piedoso, “Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm. 7,22).

Eis então a vida do nosso espírito. Uma das características mais marcantes desta vida é sem sombra de dúvidas as penas e dores que nos infringimos ou as quais aceitamos a fim de renunciarmos completamente a este mundo, o negar-se a si mesmo (em seu modo de existência caído), e assim se ligar totalmente a Deus.

Uma outra característica importante deste modo de vida ascético é a fuga de toda possessão e segurança material, cultivando, por vezes mesmo a pobreza voluntária e a insegurança. O que parece bem estranho aos olhos do nosso mundão materialista que faz do enriquecer e da segurança material os seus principais valores.

A primazia da experiência está no centro de todo ensinamento espiritual. Nada pode ser afirmado sem antes ser experimentado. A experiência tudo nos ensina, ela faz “encarnar” o ensinamento profundamente sincero, autêntico e verídico. Eis a causa de um poder de convicção em perfeita harmonia com uma originalidade inegável; cada pessoa é diferente de todas as outras, vivendo de uma maneira que lhe é própria a experiência do combate espiritual e da aquisição da graça.

A importância ligada ao fato de se ter uma ordem (disciplina), uma regra ou programa de vida perfeitamente regulares e a se comprometer, custe o que custar, quaisquer que sejam as circunstâncias ou as pessoas, as mudanças de estado ou de local, aufere uma estabilidade interior indispensável à uma vida espiritual frutuosa. Estas mudanças aportam considerações que parecem particularmente salutares para o homem de hoje, cujo modo de vida, tanto interior como exterior, está submisso a mudanças incessantes, as quais trazem efeitos particularmente negativos à sua vida mental e ainda mais à sua vida espiritual.

A insistência nos perigos da negligência constitui igualmente um suporte útil a este ensinamento: as mais pequenas coisas na vida são de uma extrema importância, pois elas favorecem ou impedem, segundo a maneira na qual são vividas, a realização das maiores. O que nos leva a afinar e revigorar o discernir. Muito importante é este discernir espiritual, a este tema do discernimento se agregam as reflexões acerca da maneira de conhecer ou de reconhecer a vontade divina, que toma diferentes formas segundo o tempo, o espaço, as pessoas, as coisas, a maneira e as circunstâncias.

Não há, no entanto, vida espiritual sem tentação, e muito mais ainda no nível da ascese. Importante papel têm as tentações no nosso conhecer a si-próprio, no nosso auto aceitar, e por conseguinte, no nosso crescer enquanto pessoa, enquanto personalidade, enquanto alguém que é livre e que busca ser livre. São elas consideradas como provações necessárias ao nosso progresso na vida espiritual, devemos aprender a afrontá-las, nada mais são do que fontes de experiência de onde tiramos tamanho proveito e crescemos em virtude.

O que nos conduz à tamanha atenção senão a grande importância da obediência a Deus através de um Pai espiritual, confessor ou Igumeno(a). Longe de ser uma submissão alienada, a obediência é uma virtude que tem o valor de um sacramento, por não somente ter sido fundada sobre o ensinamento do Evangelho como também sobre o exemplo do próprio Cristo que Se fez totalmente obediente a Seu Pai; ela nos assimila então a Ele quando a praticamos. A queda do homem (Adão) teve por causa a desobediência e é por meio da obediência que as criaturas restabelecem suas relações normais com o Seu Criador.

Reunimos a participação à comunidade, a esta vida comunitária que nos convida cada dia ao sacrifício da vontade própria. Tudo muito bem regrado e fundamentado na vida do ciclo litúrgico, a beleza do serviço divino na Igreja, onde nos reunimos e elevamos os corações ao louvor, à ação de graças, à comunhão à Vida que vence a morte e nos abre a porta do Paraíso pela Sua Ressurreição na carne. E esta Carne, este Corpo (de Cristo) é a própria Igreja, nossa vida de Igreja traz a estampa da Ressurreição. É esta a vitória de cada homem que sabe estar e ser só (monos=monakos=monge) e sabe ser e estar em comunidade, em comum-unidade, em assembléia, em sacrifício pelo próximo e por aquele que lhe é, por vezes tão diferente, mas que sempre o convida a este amor que é a própria natureza do Filho de Deus. Comunidade nos ensina a nos conhecermos, nos ensina a descobrirmos o que somos, em que nível de amor estamos. Ela nos ensina a suportarmos, a esperarmos, a sempre amarmos. É de lá que esta força que nos faz reconhecer em cada próximo, independente de sua personalidade, a imagem e semelhança do Deus (de Amor).

A medida desta vida espiritual é a Fé. O homem não sabe viver sem Fé. Ele sem Fé está morto! E quando ele tem Fé, logo e automaticamente ele tem esperança, e porque espera, logo ama, e a medida desse amor lhe faz jorrar fontes de forças para sempre amar e mais amar... tolerar, suportar, pacientar (paciência). Esta é a ascese de todo monge: esta luta, que não tem fim, pelo amor. Podemos ser grandes ascetas a nível da rudeza de nossos hábitos, quando comemos pouco, rezamos bastante, dormimos quase nada, ficamos em vigília.... mas se no entanto isto é causa ou consequência de nossa vontade própria, nosso vínculo com a Igreja sofre algum disparate! Amor é serviço e combate. E Evangelho é Amor. Servir ao Evangelho é deitar vinho e azeite nas feridas daqueles que jazem à espera de serem amados ao nosso redor, e eles são tantos! Só serve quem quer, e só esta luta pelo servir libera o homem do seu centro egocêntrico, do seu círculo de vícios, costumes, derrotas, paixões. O homem que ama desinteressadamente já alcançou o caminho que estampa a alegria de ser, de ser/estar (em) Igreja, de ser filho de Deus e co-herdeiro da herança eterna.

Comentários