A ECLESIOLOGIA EUCARÍSTICA COMO MOTOR DA MISSÃO NO MUNDO DO SÉCULO XXI

STAVROU Michel
tradução de monja Rebeca (Pereira)


A VOCAÇÃO MISSIONÁRIA DA IGREJA

Sabemos que a Igreja Ortodoxa herdou da Igreja antiga uma sensibilidade eminentemente litúrgica e coloca no próprio centro de sua existência a celebração da Liturgia. Sem Liturgia, não haveria Igreja. Em compensação, o imperativo da missão nunca foi negligenciado pelo Oriente cristão pois a missão faz parte da vocação da própria Igreja. A Igreja não é somente a convocação do povo de Deus mas ela é também a sua dispersão no mundo para eclesialisá-lo. Seria absurdo opôr os dois movimentos da vida da Igreja, convocação e dispersão, que são como a sístole e a diástole, as duas fases sucessivas do funcionamento normal do coração humano. A metáfora cardíaca, já empregada por Cirilo de Alexandria, é oportuna a propósito da Igreja que podemos considerar como o coração do mundo no plano de Deus.

Uma eclesiologia experiencial
Todavia, para que a missão eclesial seja assegurada nas melhores condições, a organização desta deve ser conforme à própria natureza da Igreja, a Igreja não como uma sociedade qualquer. A própria maneira com a qual a missão é concebida e posta em obra, deve ser em plena adequação com a visão profunda que a Igreja tem dela mesma. Ora, o vigor da eclesiologia ortodoxa reside em sua natureza experiencial e não simplesmente conceitual. Ela se enraíza desde os tempos da Igreja apostólica na Liturgia e a sinodalidade episcopal. Ela foi particularmente bem aprofundada em seu fundamento neotestamentário e apostólico no XXI século pelo Padre Nicolas Afanassief (L ́Église du Saint-Esprit, Cerf, 1975), em seguida completada notoriamente pelo Metropolita Ioannis de Pérgamo (Zizioulas) e por outros ainda. As três recentes Conferências Panortodoxas Preconciliares reafirmaram seus princípios 1, da mesmaforma que o Documento de Munique redigido em 1982 pela Comissão mista Internacional de diálogo teológico católico-ortodoxo. Trata-se da eclesiologia dita “eucarística” ou de “koinônia”.

A missão é inerente à natureza da Igreja 
Segundo esta visão, herdada da Igreja antiga, a Igreja poderia ser concretamente definida como a comunidade que se reúne num lugar, sob a presidência do Bispo ou de seu representante, para celebrar a Eucaristia, com tudo que ela pressupõe – notoriamente a ortodoxia da fé – e tudo que dela decorre 2. Uma verdadeira identidade religa, em efeito, a participação à refeição eucarística e a integração ao corpo eclesial único. Se nos aderimos a esta eclesiologia, a missão não aparece mais como uma simples prescrição moral dada pelo Salvador aos Seus Discípulos, como se a Igreja existisse, primeiramente por ela mesmo antes de partir em missão; ela é inerente à natureza da Igreja. É tocante constatar que a aparição do Ressuscitado aos Seus Discípulos reunidos por ocasião do que chamamos de Pentecostes joanina (Jo. 20, 19-23) significa para os Discípulos tanto a recepção do Espírito Santo como o envio em missão. Da mesma forma, o fim da Liturgia eucarística, quando a comunidade dos fies encontrou o Ressuscitado e recebeu a luz do Espírito Santo, toma a forma dum envio em missão: “Retiremo-nos em paz. – Em Nome do Senhor.” É então que “retirar-se em Nome do Senhor” faz parte integrante da Liturgia eucarística, chamada a se prolongar alimentando cada instante de nossa vida no mundo.

Cristo só será realizado no plano humano enquanto todos os homens estiverem incorporados n ́Ele Como sublinha São Gregório de Nissa de maneira maravilhosa, Cristo não é realizado no plano humano, enquanto todos os homens não estiverem incorporados n ́Ele. Não somente o Espírito Santo formou o Cristo na altura da Encarnação mas, agindo sempre na História, Ele faz crescer ainda Seu Corpo e o assemelha enquanto Igreja. A Igreja, Corpo do Cristo, é então, através da missão, uma realidade dinâmica em curso de realização até o último dia, como testemunham as imagens bíblicas da Igreja Povo de Deus em marcha ao Reino, da Igreja “Cidade Santa” que se edifica sobre a pedra angular que é o Cristo e que se organiza para o futuro do Reino de Deus (Ef. 2, 22; I Cor. 3, 16), da mesma maneira que a imagem da Igreja Esposa, que se prepara ao face à face, à união nupcial com o Cristo Esposo.

A missão, uma tarefa pessoal e comunitária: “eclesializar a vida” O resultado evidente desta eclesiologia em que todos os membros do corpo eclesial e não simplesmente os clérigos se sentem concernidos pela missão posto que todos, à saída de cada Eucaristia, são enviados no mundo para ai viverem a “Liturgia após a Liturgia” no testemunho cotidiano e no “Sacramento do irmão”, quer dizer a solicitude para com o próximo. Isto permite compreender que fundamentalmente a missão não é um afazer de especialistas (mesmo se certos são formados e afetados especialmente a missões nos países não cristãos) mas uma tarefa comunitária.

Cada cristão, enraizado numa dada comunidade eucarística, é enviado pelos seus irmãos para testemunhar no mundo desta vida em Cristo que ele recebeu e partilhou. “Eclesilaizar a vida”, tal era a palavra de ordem dos estudantes russos fundadores do ACER (Action chrétienne des étudiants russes – Ação cristã dos estudantes russos) nos anos 1930 no Ocidente para sublinhar que, contrariamente ao esquema que nos propõe implicitamente a sociedade secularizada, nenhuma dimensão de nossas vidas deve escapar à cristificação que decorre de nossa participação comum ao banquete eucarístico. Nicolas Berdiaev, evocando o trabalho secreto do Espírito, notava neste sentido: “A eclesialização da vida é um processo invisível [pelo qual] [...] o Reino de Deus chega imperceptivelmente nas profundezas dos corações humanos. 3

Num contexto de extrema concorrência entre as proposições espirituais em todo gênero O século XIX foi o século dos nacionalismos, o XX século, aquele das grandes ideologias. A Igreja Ortodoxa foi profundamente afetada em sua vida e em sua organização por cada uma destas épocas. Ela sai pouco a pouco dum período de 70 anos de regime soviético. Desde há muito tempo, tudo deixa pensar que o século XXI será marcado por um retorno do religioso, mas de um religioso com múltiplas facetas, difuso, ambíguo e individualizado, sobre o fundo duma secularização crescente, marcada pelo recuo dos cristãos sociológicos.

Neste contexto de extrema concorrência entre as proposições espirituais em todos os gêneros feitas aos homens em busca, o islão, as religiões orientais e as seitas saberão ter o seu lugar. A Igreja Ortodoxa, dentre as outras Tradições cristãs deverá propagar sua mensagem de vida, de verdade e de salvação, mostrando-se atenta a duas exigências da missão: 1) estar atento aos sinais dos tempos, 2) levar a missão de boa maneira e concertada entre as Igrejas locais. Vejamos sucessivamente estes dois pontos de vista em que a eclesiologia eucarística pode se revelar preciosa para sua mise en oeuvre.

ESTAR ATENTO AOS SINAIS DOS TEMPOS
O mundo hoje não tem mais grande coisa a ver com o período fundador que viu florescer na Europa a civilização cristã. Ele aparece marcado por crises de crença sem precedente histórico, cujas três principais são uma secularização crescente, o fenômeno da mundialização e enfim a crise ecológica. São verdadeiros desafios postos a humanidade à resolução das quais a Ortodoxia é chamada a trazer respostas, se não quiser se encontrar sobre a beira do caminho.

Mergulhados na secularização Para o que é a secularização, nós já estamos mergulhados, pelo menos no Ocidente, na era da pós-modernidade que se define por uma atitude geral de descompromisso e de desinteresse em relação as opiniões ideológicas e religiosas.

A Igreja pode saltar face a este desafio de nossas sociedades dirigindo- se as pessoas concretas através duma “recepção” crítica da cultura ambiente. Em todas as épocas e em todos os lugares, para relevar o desafio da missão, a Igreja teve que comprometer uma verdadeira eclesialização da cultura, que se faz idealmente através dum duplo processo de discernimento e de inculturação do Evangelho.

Quanto ao desafio da mundialização, colocam-se questões que já divide a eclesiologia ortodoxa: como realizar a unidade universal respeitando a diversidade local das comunidades? Como permitir as especificidades, não simplesmente de existir e de serem toleradas mas de serem proveitosas a toda humanidade?

É claro que a Igreja ortodoxa, rica duma experiência de muitos séculos, pode aportar esclarecimentos positivos a estas questões na medida em que a eclesiologia eucarística sublinha a tensão-complementaridade que existe entre a primazia e a conciliaridade na comunhão das Igrejas locais, e isto à imagem da uni-diversidade do Deus trinitário. Basta referir-se ao 34o cânone apostólico sobre o prôtos que é necessário respeitar na comunhão dos Bispos.

Nesta abordagem, a diversidade não se opõe à unidade mas é mesmo constitutiva desta. Isto pode ajudar os cristãos e através deles seus concidadãos a conceberem que o enraizamento numa região ou numa nação não se opõe a uma consciência universal mas ao contrário pode fundar esta concretamente, no respeito das identidades locais.

A crise ecológica Enfim, na crise ecológica que atravessa duravelmente o mundo hoje, a Igreja deveria poder trazer respostas através da própria vida de suas comunidades, na medida onde ela tenha consciência de sua vocação, que é a de reunir toda criação para oferecer a Deus em Cristo pela graça do Espírito, e de asselar assim a vinda do Reino de Deus sobre a terra, posto que ela é a dimensão cosmológica da eclesiologia eucarística.

“A Igreja, axe da história e coração do mundo” Da mesma forma que Cristo Se ofereceu em oblação, a Igreja que é o Seu Corpo existe não por ela mesma – não devemos jamais esquecer e geralmente esquecemos – mas para o mundo que Deus criou por pura bondade, e que Ele destina a uma comunhão plena com Ele, ao Banquete dos últimos dias. Eis porque o Patriarca Atenágoras sublinhava que “a Igreja nossa Mãe é [...] o axe da história e o coração do mundo 4”.

A Eucaristia é impensável sem o mundo que se encontra trazido em nossa oração comunitária oferecida a Deus. Mesmo se ela é sempre celebrada num dado lugar, limitado, a Eucaristia é oferecida pelo mundo inteiro: “Aquilo que é Teu, recebendo-O de Ti, nós To oferecemos por todos e por tudo (kata panta kai dia panta).”

O mundo como material de uma Eucaristia universal Na refeição eucarística se renova a relação entre a criação e seu Criador. O homem, em Cristo, refere ao Criador o mundo inteiro, e em particular sua própria existência, para receber a vida de Deus. O mundo aparece como o material duma Eucaristia universal, o homem sendo o “sacerdote” deste sacramento cósmico, como o sublinha Justino o Filósofo 5. Trata- se a partir de então para os cristãos de responder ao gemido da criação nas dores de parto (Rm. 8, 22), comunicando a esta, no Espírito Santo, o poder da Revelação. O retorno dos cristãos a uma visão da Igreja centrada sobre a Eucaristia poderia desenvolver um ethos eucarístico, que implica o arrependimento e a ascese, e favorizar junto aos cristãos como junto de seus concidadãos uma atitude de verdadeiro respeito para com a criação, impedindo a terra de torna-se um lixo e um espaço inviável tanto para os homens, do fato das canículas e das inundações repetidas, como para as múltiplas espécies vivas, que a cada dia desaparecem.

TRABALHAR NA RELAÇÃO ENTRE AS IGREJAS LOCAIS
A questão da boa ordem no anúncio do Evangelho não é nova. No passado, encontramos muitos exemplos históricos de concorrências estéreis entre as Igrejas, como as missões levadas na Europa ocidental pelos gregos e latinos no IX século. O fato de os cristãos estarem ainda hoje divididos enfraquece muito certamente a força de nosso testemunho. Para resolver a separação entre ortodoxos e católicos romanos, é certo que a eclesiologia eucarística pode desempenhar um papel decisivo.

O exercício real duma conciliaridade entre as Igrejas Autocéfalas Todavia, num mundo cuja medida se encurta sem cessar, um obstáculo cada vez mais evidente no exercício da missão ortodoxa é a lastimável ausência de cooperação entre as diferentes Igrejas Autocéfalas, muito particularmente no espaço da diáspora. A missão aparece enfraquecida pelo escândalo que representam as divisões entre as jurisdições das diferentes Igrejas Autocéfalas.

Este fato leva a colocarmos a questão, crucial para o esplendor do Cristianismo no mundo, do exercício real duma conciliaridade entre as Igrejas Autocéfalas 6. Desde o século XIX, a noção de autocefalia, legitimada pela Tradição antiga e bizantina, pouco a pouco se confundiu nos espíritos com aquela de “Igreja nacional”, uma noção que contribuiu sem dúvida a uma santificação dos países tradicionalmente ortodoxos 7, mas que pode suscitar o filetismo e o esquecimento da natureza fundamentalista eucarística-católica da Igreja.

Autocefalia e lógica concorrencial Não somente a comunhão entre as Igrejas Autocéfalas é hoje muito pouco manifestada e valorizada 8, como mostram muitas situações conflituosas entre Igrejas, mas o antagonismo entre elas com recurso aos tribunais civis 9 e mesmo até suspensão parcial de communio in sacris caracterizam muito geralmente, em nossos dias, suas relações.

Constatamos também derivas inquietantes. Assim, por exemplo, em suas cartas estatuárias recentes, a Igreja de Chipre e a Igreja Russa consideram como seus membros não somente os fiéis situados sobre o território canônico mas outros que se encontram fora mesmo deste e que são “eleitos” por critérios étnicos ou de escolha individual 10. Nos dois casos, ignoramos as Igrejas irmãs sobre o território dos quais podem se encontrar estes nacionalistas no estrangeiro.

Contra todos os princípios elementares da eclesiologia eucarística, em particular o caráter territorial e não étnico das Igrejas particulares, a autocefalia desliza ao autocefalismo que confunde a catolicidade verdadeira com a auto-suficiência. Nesta perspectiva, uma lógica concorrência se instaura entre as Igrejas irmãs ortodoxas 11. A missão torna-se uma tarefa anárquica e incoerente.

A dimensão católica da autocefalia Para resolver o problema do autocefalismo, visão segundo a qual cada Igreja autocéfala poderia suprir a si mesma, é indispensável preconizar uma eclesiologia eucarística conseqüente. Em efeito, a Eucaristia celebrada em cada Igreja é oferecida por todas as Igrejas e para o mundo inteiro, logo cada Igreja autocéfala se encontra chamada a manifestar em sua vida e em seus atos sua unidade perichorética com as Igrejas irmãs 12. É urgente redescobrir como ele assenta a dimensão católica da autocefalia desenvolvendo instantes interortodoxos que refletem à organização da missão de maneira concertada.

“Sem um ministério de coordenação a conciliaridade é impossível” Doutra parte, conviria valorizar as ocasiões de concertação panotodoxa em torno do Patriarcado de Constantinopla. Apesar das reservas exprimidas por muitas Igrejas Autocéfalas 13, o Patriarcado Ecumênico á chamado, segundo a tradição canônica da Igreja do Oriente, a exercer uma solicitude universal, quer dizer a tomar na Ortodoxia mundial iniciativas indo no sentido da conciliaridade a cooperação inter-eclesial, respeitando o espírito do 34o cânone apostólico. Como lembrava o Padre John Meyendorff há mais ou menos 30 anos atrás, sem “um ministério de coordenação” assegurado pelo primeiro dos patriarcas, “a conciliaridade é impossível” 14. Seria desejável que um exercício mais ativo desta primazia reconhecida ao Patriarcado Ecumênico fosse vista não como um entrave mas como um estimulante apto a favorizar a conciliaridade.

Para uma eclesiologia eucarística realmente inscrita na prática eclesial A Igreja é chamada a exercer sua missão e a responder as questões profundas do mundo que a envolve não simplesmente por prescrições morais e pela difusão duma teologia escolar largamente cortada de vida, mas por uma interpretação atualizada de seus dogmas, que se apóia sobre sua vida profunda, sacramental. Se a eclesiologia eucarística pode, como tentei mostrar, ser considerada a justo título como um verdadeiro motor e um fermento da missão eclesial, uma condição é nada menos necessária para que este motor possa funcionar com a ajuda do Espírito Santo é que a eclesiologia eucarística seja não somente confessada e recebida no princípio pelos bispos e os clérigos como pelo todo do povo de Deus, mas realmente compreendida e assimilada para se inscrever na prática eclesial.
Isto está longe de ser o caso de múltiplas razões, sobretudo históricas, que nós não podemos abordar agora. Mas é certo que, no século que começa, o trabalho de aprofundamento eclesiológico a realizar no seio dos institutos de teologia, universidades e seminários por toda parte no espaço ortodoxo será determinante para avivar a consciência eclesial das gerações futuras e tornar a missão mais ativada.

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1. Estas conferências aconteceram em 1976, 1982 e 1986 com representantes de todas as Igrejas ortodoxas. 2. Esta última prescrição é de importância. Não saberíamos, em efeito, reduzir a Eucaristia a um rito litúrgico: uma Igreja local celebra a Eucaristia sem se preocupar com a fé que ela confessa nem verificar que ela se encontra em comunhão com as Igrejas irmãs. É a reprimenda feita à visão ainda sumária de N. Afanassieff. É necessário precisar aqui que a fé e mesmo a doutrina da Igreja não são dados extrínsecos da Eucaristia. Uma celebração eclesiologicamente legítima da Eucaristia pressupõe uma confissão ortodoxa da fé: “Nosso pensamento é conforme à Eucaristia, e a Eucaristia confirma o nosso pensamento” (IRENEU DE LYON, Adversus Haereses, IX, 18, 15). 3. N. BERDIAEV, “As discórdias na Igreja e a liberdade de consciência”, Pout ́, no 5, oct-nov. 1926, p.52 [em russo], citado em A. ARJAKOVSKY, La génération des penseurs religieux de l ́émigration russe, Kiev-Paris, 2002, p. 106. 4. Citado em O. CLEMENT, Dialogues avec le Patriarche Athénagoras, Fayard, 1969, p. 161. 5. Apologie 1, 43, 3 e 8 6. Decerto, a proclamação nos séculos XIX-XX da autocefalia das grandes Igrejas territoriais, na comunhão da Igreja ortodoxa, permitiu salvaguardar a unidade da Ortodoxia, posta à prova por fatores extra-eclesiais, e ajudou a uma melhor tomada de consciência da sinodalidade no nível territorial. Mas esta sinodalidade deve funcionar igualmente no nível pan-ortodoxo. 7. A Igreja pode, em efeito, abençoar a nação, proteger e fecundar sua cultura, chamar mesmo a defendê-la, considerando toda guerra defensiva ou liberadora como um mal pequeno (São Sérgio abençoou Dimitri antes da batalha de Koulikovo em 1380; muitos prelados gregos abençoaram no XIX século as insurreições nacionais na Grécia e em Chipre, etc.), mas a Igreja deve também, apesar de tudo preservar a consciência escatológica e católica. 8. Isto pode explicar que os ortodoxos da “Diáspora”, que vivem no cotidiano uma conciliaridade interjurisdicional, foram os mais prontos a reagir face ao cisma doloroso que separa há algum tempo Moscou e Constantinopla na ocasião da crise estoniana. 9. Como testemunham os recursos diante dos tribunais civis para resolver os litígios entre Igrejas. Por exemplo afazer da Igreja da Estônia, Igreja da Moldávia ex- soviética, minoria romena na Sérvia, afazeres da paróquia de Budapeste e da paróquia de Biarritz entre Moscou e Constantinopla, etc. 10. A Igreja de Chipre considera como seus fiéis “todos aqueles que, de origem chipriota, residem neste dia, no estrangeiro” (cf. Carta estatuária da Igreja e Chipre, 1980, Art. 2, em G. PAPATHOMAS, A Igreja Autocéfala de Chypre na Europa unida, Tessalônica, ed. Eperktasis, 1998, p. 229), enquanto a Igreja da Rússia estende sua jurisdição sobre “os fiéis ortodoxos que ai entram deliberadamente”, mesmo “habitando em outros países [que são aqueles de seu território canônico]” (cf. Carta estatuária da Igreja da Rússia, 2000, Art. 1, § 3). 11. Tornada nacional na maioria das ocorrências modernas, a Igreja autocéfala se encontra levada a exercer sua jurisdição sobre o território duma outra Igreja autocéfala sob o pretexto da presença de cidadãos de sua área nacional de influência, na qual ela entende defender os direitos, donde em particular o problemas inextricável das diásporas ortodoxas entremisturadas sobre os territórios idênticos. 12. Assim, as Igrejas autocéfalas poderiam encontrar entre elas não somente a consciência de sua complementaridade mas uma necessidade crescente de se encontrar e de se concertar para aportarem juntas as respostas as grandes questões que surgem com a modernidade. 13. A Igreja da Rússia, através do Patriarca Pimen, fez por exemplo saber: “We do not consider that the throne of the Patriarchate of Constantinople is na indispensable mediator between autocephalous Orthodox Churches in their needs” (Carta ao Patriarca Atenágoras no 1505 do 11 de agosto de 1970, cf. St Vladimir ́s Theological Quarterly, no 15, 1971, p. 77). Infelizmente, muitos ortodoxos consideram, segundo um espírito autocefalista, que o estatuto do Patriarca Ecumênico deveria se reduzir a uma primazia puramente honorífica, que segundo eles o limitaria a presidir algumas reuniões puramente consultativas ou belas Liturgias pontificais. Eles agitam o cetro do “papismo” desde que o Patriarca toma uma iniciativa para tentar regrar tal ou tal questão. Existem, em efeito, más interpretações dos cânones 9 e 17 de Calcedônia que lhe tiram toda eficiência. Assim, a hermenêutica “autocefalista” do canonista russo S. Troïtsky (cf. “Sobre o sentido dos 9o e 17o cânones do Concílio de Calcedônia” (em russo), Journal du patriarcat de Moscou, 2, 1961, p. 57-65; trad. Des passages essentiels dans MAXIME DE SARDES, Le patriarcat oecuménique dans l ́Eglise orthodoxe, Beauchesne, 1975, p. 223-232) segundo o qual estes cânones não passariam de litígios entre clérigos relevando dos tribunais civis. Maxime de Sardes mostrou de forma convincente que o erro de S. Troïtsky vinha duma má compreensão do termo pragma (que pode designar um litígio eclesiástico e não simplesmente civil) e de raciocínios parciais e contestáveis (ibid., p. 232-242). 14. J. MEYNDORFF, “Le Patriarcat oeuménique: une nécessité”, SOP, no 28, mai 1978, p.6.

I Simpósio Internacional de Teologia Dogmática Ortodoxa em Arad, 
Romênia, 6-8 junho 2007 

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