Foi por um preço barato que o homem se vendeu a este mundo


LEMESHONOK Arcipreste Andrej 
tradução de monja Rebeca (Pereira)


"Que belo tempo: tudo começa a desabrochar, a florir, os pássaros cantam, faz sol e está quente. Será que é um paraíso?! Mas basta abaixar os olhos e olhar a terra... O quê eu vejo? Plásticos, papéis, garrafas. As pessoas discutem, se batem, abandonam seus filhos... Não, não é o paraíso. É um mundo impuro. Mas onde está o paraíso? Como encontrá-lo?"


As linhas que se seguem fazem parte de uma conversa com o Arcipreste André Lemeshonok, Pai Espiritual do Monastério de Santa Elisabeth (Feodorovna), Grande-Duquesa Neo-Mártir, na Belorússia.


Padre, quando começou a impureza do mundo?

O Paraíso é um local que faz bem ao Homem. Lá, ele tinha tudo, mas no momento em que o homem violou os Mandamentos de Deus, quer dizer perdeu a confiança de Deus, o Paraíso torna-se o local de onde o homem é exilado. O homem começa a se esconder, a sofrer, posto que a relação com Deus se encontra rompida. Eis a primeira impureza do mundo, pois que para uma pessoa pura tudo é puro.

O homem cometeu um pecado que cria uma barreira entre Deus, o Criador e os homens, de uma parte e entre ele e os outros os homens, de outra. As pessoas começaram a criar obstáculos entre elas. O pecado rompeu esta beleza e a plenitude da vida que pode-se ter com Deus e em Deus. A terra torna-se um depósito, um cemitério, um local coberto de sangue, de lágrimas e do suor de muitas gerações de pessoas. No entanto, Cristo veio a esta terra e ela se santificou! Seu sangue deitado sobre o Calvário oferece ao homem uma possibilidade de construir um novo mundo, mas este mundo, é necessário se construir em si-mesmo. Existe uma ecologia exterior: gases escapam dos carros, as chaminés das fábricas... mas existe também uma ecologia interior. As causas dos problemas ecológicos não residem somente no que a indústria desenvolve. De fato, toda civilização é um impasse que conduzirá, cedo ou tarde, esta terra à ruína

Não é possível salvar a Terra?

Devemos começar por nós mesmos. Penso que se começarmos a fazer esforços e  estarmos atentos a nos próprios, se pronunciarmos menos palavras vazias e ociosas, nem falo de palavras “impuras”, se tivermos pensamentos puros, vindos da luz celeste... mas acontece que os pensamentos que vêem são diferentes. Se começamos a vigiar à pureza de nosso espírito e de nossos corações, “então milhares de pessoas em torno de nós se salvarão”, dizia São Serafim de Sarov. O quê polui a terra? O homem - a cora da criação. Mas se o homem começa a falar com Deus (é provável que os crentes vivam tais minutos), neste estado não existe mais necessidade de nada. Tudo é puro e luminoso junto a ele. Mesmo se nos encontrarmos no mais sujo depósito, ele será limpo pois que nos colocaremos a limpá-lo. E se uma pessoa impura, que cometeu um pecado se encontre no local mais limpo que seja, ela o sujará. Se pensarmos nisto, é certo que algo vai mudar em nós e, consequentemente, ao redor de nós, e no mundo inteiro.

Devemos então aprender a preservar o que possuímos?

Por exemplo, alguém vem descansar ao ar livre. Ele é o rei. Ele começa a cortar alguma coisa, a quebrar alguma coisa. Passado o tempo agradavelmente, ele deixa um monte de lixo. Esta pessoa joga tudo assim, sem refletir no que vem depois. E isto é tão terrível, porque é o estado interior do homem que não vê nada. Lembro-me ter estado na Suécia com algumas crianças. Fiquei maravilhado por não ter visto lixo, nem um pedaço de papel na praia onde havia centenas de pessoas! O homem deve preservar a terra sobre a qual ele vive. Acontece em nosso meio que se jogam restos pela janela de suas casas. Se alguém é acostumado a viver entre dejetos, isto é para ele uma regra de vida, o lixo torna-se normal em sua vida. O objetivo da Igreja é o de abrir ao homem um mundo novo, um mundo puro.

Pensamos que a vida no campo é mais limpa que na cidade. O senhor está de acordo com isto?

A vida na cidade é mais alegre, existe tudo, todos os confortos , mas o homem não se dá contas de que o apartamento é uma jaula de concreto, que o asfalto esconde a erva e as flores... o homem faz o que lhe é mais fácil. Mas hoje, pelo contrário, as pessoas que refletem, buscam a natureza, eles deixam Moscou e outras grandes cidades e se dirigem ao campo em busca de encontrar a calma, um local para se repousar e relaxar. Pois as cidades são uma concentração de pessoas, existem tantos dejetos e lixo pelo fato das pessoas estarem sob a pressão do tempo e não pensarem. O ritmo da vida é tal que o homem nem tem mais tempo de parar e refletir o que tem nele e o que ele faz. Alguns pensam que quanto maior a cidade, mais são as perspectivas, existem mais possibilidades, mas, na realidade, o homem perde o hábito de estar só, de permanecer no calmo. As pessoas querem ter barulho, querem afogar suas tristezas, seu estado de alma ferido. Eis os bares, os gritos, os barulhos e ruídos das cidades. Um barulho constante. Isto torna-se uma forma de vida em que se sente mais à vontade, sem refletir e escondendo-se atrás das costas das pessoas que se cruzam nas ruas. Uma cidade é um deserto. Vitrines, edifícios, ruas... Tudo isto brilha, atira, mas realmente, não têm conteúdo algum. Tudo se vende e se compra. E a alma do homem?! No entanto, pode-se viver com Deus mesmo na cidade. Existem pessoas que vão à igreja nas cidades. No campo, infelizmente, muitos são aqueles que se tornaram fortes aderentes do álcool  De que paraíso podemos falar? As pessoas começam a beber em virtude de seu vazio interior, por não terem outra ocupação. Isto é terrível, com trinta anos já se é velho.

Decerto, é bom estar em plena natureza. Por exemplo, há mais de trinta anos que passo minhas férias no pé de um lago sob uma tenda. Nado, colho cogumelos, mas no entanto isto não é a plenitude da vida. É melhor na igreja.

O que o senhor pensa do provérbio “Somos úteis lá onde nascemos”?

O homem nasce no exílio. O homem nasce com o pecado original (ancestral) e qualquer que seja sua pátria, seu país, sua cidade ou vilarejo, ele nasce para vida eterna. No entanto, perdeu o paraíso, tornou-se um refugiado. Muitos dentre nós temos talentos, os quais devemos frutificar. Será que existem pessoas pensando nisto? Acho que não. As pessoas estão preocupadas com as preocupações cotidianas: a agitação, a luta pela sobrevivência, a carteira, a geladeira, o armário, os metros-quadrados de seu apartamento, seu carro... Foi por um preço barato que o homem se vendeu a este mundo.

É possível que se este provérbio fosse invertido, não fosse desta forma?

Existe um modo de vida, existe a tradição, a transmissão dos usos e costumes, respeito, a família. Será que tudo isso existe hoje? Não sei. Tenho dúvidas. Existe dinheiro, trabalho, fazendas, pessoas que trabalham em suas terras... seria necessário que tudo isto se enchesse com o Espírito, que Deus seja o centro da vida. E então a beleza e a ordem virão. Sim, antes as pessoas talvez fossem belas, trabalhavam pelo bom, repousavam-se, mas uma tragédia teve lugar. Houve uma grande tentativa de se exterminar estes trabalhadores... Lembremos dos anos de luta contra a Igreja. As pessoas começaram a perder a relação com Deus e então se produziu uma nova sujeira no mundo.

Assim passam os anos e o homem não compreende porque ele vive. O objetivo da Igreja é o de fazer com que as pessoas saibam que existe uma outra vida, uma vida interior, de outros valores, que existem um sentido, a imortalidade, a ressurreição, o amor que faz do homem um ser vivo.

Por favor, fale um pouco sobre a “ecologia da família”..

Bom, a “família”, é necessário colocar no Livro Vermelho. Onde estão as verdadeiras famílias, onde existe um verdadeiro respeito, amor? A família, é uma escola de vida onde os filhos são educados, onde crescemos e aprendemos. No entanto, as pessoas se divorciam, não querem mais se  responsabilizar umas pelas outras, querem viver para si próprias. Não existe mais os vilarejos de outrora. Existia uma geração, uma tradição, uma obediência aos adultos. O quê as crianças vêem hoje em seus apartamentos?  O diabo luta contra a família. Para nós, a família é uma igreja doméstica, é algo de sagrado, realmente uma escola de piedade, de amor, de humildade, de paciência. Uma mulher hoje obedece ou escuta seu marido? Ela diz: “Por que razão obedecer este imbecil?” podemos encontrar hoje um marido que ame sua esposa verdadeiramente e renuncie a o quê quer que seja em favor dela? Se existe um adultério, de que família podemos falar? Não é mais uma família, antes uma embalagem exterior. Eis toda a ecologia. Talvez existam ainda famílias, pessoas que podem dar ao próximo tudo o que têm: sua vida, seu coração. Mas, não encontramos isto com frequência. Enquanto sacerdote, vejo mais frequentemente pessoas se acusarem umas das outras, não se compreenderem, justificarem-se e tudo fica arruinado... as crianças sem atenção dos pais.

É necessário olhar uma pessoa. Eis os seus olhos. O quê há nestes olhos? Existe uma vida, se existe uma luz, teremos necessidade  desta pessoa, mesmo que ela esteja acamada. E se houvesse um vazio, quem tem necessidade desta pessoa? Podemos vestir roupas diferentes, decoradas de todas as formas, podemos criar um conforto doméstico, podemos nos fazer de enganados, mas, cedo ou tarde, isto chega ao fim e o homem se encontra no caixão, de braços cruzados. E quando o homem está no caixão, podemos ver toda sua vida, a qualidade de sua vida.

Fale um pouco sobre a morte, ou ainda sobre a limpeza dos cemitérios. Acontece de irmos ao cemitério e vermos muita sujeira.

O cemitério é um local onde repousam os restos mortais dos próximos e das pessoas que nos são queridas. Esperamos a Ressurreição dos mortos. O Cristianismo diz que o cemitério é um local temporário. Em geral, o que representa a morte para um fiel que crê? É uma provação. Não é uma tragédia. Eis a essência do Cristianismo. Em nosso “Símbolo de Fé” pronunciamos: “Espero a Ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de-vir”. Devemos acreditar neste encontro. O cemitério é o local que nos dirigimos para falar com nossos  próximos pelo intermédio de Deus, orando. No entanto, quando o cemitério torna-se um local que podemos beber e comer... não é mal que as famílias se dirijam a ele, mas faz-se necessário que não seja vergonhoso. De maneira generalizada, a terra é um grande cemitério. Andamos lá onde,  há mil ou quinhentos anos alguém morreu e foi enterrado. Viemos da terra e à ela retornaremos.

O cemitério é uma lembrança da vida. Os Santos colocavam um caixão em suas celas, chegando até dormir dentro deles. E nós, ainda que nos dirijamos ao cemitério, devemos pensar em nos portamos bem neste local. Quão boa seja a saúde que gozamos, quaisquer que sejam os médicos que nos tratem, nos aproximamos de nossa morte física, e desta última fronteira que é a vida e a morte eterna. É para esta vida que lutamos este combate acirrado.

Não somos pagãos. O corpo é santo para nós. Beijamos o corpo do defunto, e ele não é um simples cadáver. Se o homem vive em Igreja, se ele comunga, seu corpo se santifica. É um objeto santo que não se queima como bichos. Os budistas o fazem, segundo sua crença e a concepção do mundo é uma norma. Eles pensam que toda a vida é uma ilusão.

A morte é uma passagem à eternidade e este acontecimento é muito importante para o homem. Os próximos do defunto também mudam, eles repensam suas vidas.

Cremar é uma barbaridade, eu penso. Existe espaço suficiente para enterrar os defuntos.

Como mudar a situação e fazer retornar o mundo puro?

Restabelecer o ícone; e o homem é um ícone, possível pela penitência, pelo trabalho interior. Para isto, é necessário abrir os olhos, abrir seu coração e ver que Deus está próximo de nós. O homem vive na solidão, as pessoas se encontram por trás das paredes que elas próprias construíram. E se o homem abre seus olhos e se ele vê Deus em seu próximo, em sua vida e em si mesmo, talvez tudo mude, o mundo inteiro mudará porque para um puro tudo é puro.

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