A conquista da mente

PEREIRA monja Rebeca


A revista Veja edição 2276 – ano 45 – n.27 (4 julho 2012) traz como uma de suas reportagens especiais aquela com o título de ‘A conquista da mente’. A manchete sugere o desvendar do enigma da consciência pelos progressos em neurotecnologia. O caso está relacionado com a pessoa de Stephen Hawking, cientista britânico que ocupou a cátedra que foi de Isaac Newton na Universidade de Cambrigde – o mais célebre físico teórico desde Albert Einstein.

Aos 20 anos, Hawking começou a sofrer os sintomas de um tipo grave de esclerose caracterizado pela crescente paralisia dos músculos. Perdeu progressivamente o controle do corpo e hoje lhe resta somente o movimento de contração dos músculos faciais. Um sensor infravermelho instalado na haste dos óculos capta as contrações desses músculos e Hawking consegue, assim, mandar comandos para um computador especial. Dessa forma, ele escreve e se comunica. No entanto, a doença progride e Hawking, de 71 anos, em breve não conseguirá mexer nem mesmo os músculos da face. Sua mente brilhante e ainda altamente produtiva será para sempre uma prisioneira silenciosa do corpo imóvel. A única esperança de evitar esse pesadelo recai sobre outro extraordinário cientista de apenas 32 anos, Philip Low, que descobriu uma nova janela para o cérebro, uma tecnologia capaz de interpretar as ondas eletromagnéticas produzidas pelo ato de pensar e traduzir palavras.

Ele cria um aparelho que batiza muito apropriadamente de iBrain, acoplado à cabeça, que consiste em um detector de impulsos elétricos gerados no cérebro. Segundo Low “quando Hawking pensa, por exemplo, que deseja mover o braço para cima, mesmo que a doença impeça os músculos de se movimentar, as ondas cerebrais que definem esse comando podem ser captadas, decifradas e padronizadas de modo que o computador consiga interpretá-las”.

Sabemos o quão sutil e trabalhosa é a questão da harmônica relação entre ciência e fé. Não seria nada correto afirmar que se contradizem, no entanto, por vezes, seguem caminhos bem díspares que geram conclusões um tanto diferenciadas sobre o mesmo tema.

Falar sobre a mente a nível de ciência(s) é algo bem diferente do prisma que a vida espiritual convida, principalmente aquela que a Igreja Ortodoxa ensina e pela qual respira o sopro do Espírito (de Deus).

Adiante, seguem trechos interessantes sobre a ciência da mente, enquanto lugar espiritual de relação com Deus e auto-conhecimento, do livro em português de Luis Augusto Bicalho Kehl – O caminho da oração, Mensageiro de Santo Antônio, setembro 2012, SP. Sem sombra de dúvidas, a divergência de abordagem do tema MENTE pode ganhar contornos para interpretações  e discussões comparativas interessantes.

Estamos habituados a considerar o ser humano meramente como sendo um composto de corpo e alma, que recebe o sopro do Espírito para viver. Conhecemos as diversas partes do corpo, e atualmente, ciências como a psicologia e a neurolinguística se arriscam em classificações mais ou menos aproximativas do funcionamento da mente. Do ponto de vista da Filocalia, porém, a alma humana é, por um lado, mais simples do que supõe a visão moderna e, de outro, quase infinitamente mais complexa. Tomaremos como base para este estudo os escritos de Evágrio Pôntico, cujo pensamento fundamentou grande parte do método filocálico.

Evágrio estabelece, em primeiro lugar, uma divisão tripartite da alma: ela é composta de duas metades, sendo uma racional e outra irracional, sendo que esta última se divide por sua vez em duas outras partes. A porção racional da alma, que nos permite a compreensão lógica das coisas, corresponde à nossa inteligência; e a porção irracional, também denominada de passional, divide-se numa parte irascível (thymos) e numa parte concupiscente (epithymia). No entanto, esta divisão da alma não deve ser confundida como uma ausência de unidade, pois está constituída pelo “núcleo inalienável” de sua pessoa, chamado por Evágrio de ‘intelecto’ (nous). Evágrio denomina este núcleo “intelecto” (que não deve ser confundido com o sentido atual do termo), embora no sentido bíblico seja usado como sinônimo de “espírito” (pneuma), pois, por um lado, ele reserva este último termo apenas para o Espírito Santo e, por outro, o termo “intelecto” permite preservar a relação entre Criador e criatura em sua manifestação mais elevada e mais pura, de uma maneira totalmente bíblica, como um “conhecer”. Temos assim, à nossa disposição, os termos “intelecto” (nous), que designa a dupla faculdade que a pessoa tem de pensar o mundo e contemplar a Deus; “intelectual” (noeros) que designa a inteligência pensante; “intelecção” (noesis), que designa o pensamento do intelecto; e “inteligível” (noetos) que designa aquilo que é pensado pelo intelecto.

Já a porção propriamente racional da alma é chamada logistikon (razão), e tem por função fazer a meditação que une o criado ao incriado, ou a reflexão do criado sobre si mesmo. A esta porção da alma contrapõe-se a porção irracional, composta, como dissemos, das partes irascível e concupiscente. É principalmente sobre estas últimas que atuam os demônios que nos atormentam com suas armadilhas, embora também existam aqueles que agem contra a porção racional da alma, pois, de acordo com Evágrio, os demônios compartilham a racionalidade com o homem. Estas três partes da alma constituem, seja um vetor de salvação, quando se voltam para o incriado, seja um vetor de perdição, quando se voltam para o criado.

Assim, thymos e a epithymia atuam como auxiliares da razão e do intelecto quando exercem sua função natural, que consiste resumidamente em afugentar o mal e amar o bem, protegendo o homem em sua jornada por este “século”.

Ao contrário da ciência moderna, que atribui uma desmesurada importância ao cérebro, os antigos viam nele não mais do que um órgão entre os órgãos, responsável sem dúvida por uma série de atividades necessárias à vida, mas inútil quando se tratava das operações do Espírito.

O eminente teólogo francês Olivier Clement escreve: ‘Para a Filocalia, herdeira sob este aspecto da antropologia bíblica, o coração aparece como o centro pessoal do homem onde todos os sentidos e todas as faculdades se reúnem, se harmonizam e se abrem para a transcendência. O coração profundo, propriamente espiritual, do qual o coração físico é como que um símbolo, é investido pela graça batismal. É um abismo de luz, mas que permanece fechado, ficando a maior parte do tempo inconsciente, mas exatamente “supraconsciente”, no sentido que a “psicanálise da existência” dá ao termo.’

E segundo as palavras daquele que defende o Hesicasmo enquanto parte orgânica de espiritualidade, o Arcebispo de Tessalônica, São Gregório Palamas: ‘Dado que nossa alma constitui uma existência única dotada de múltiplas potências, e que ela se serve do corpo que vive naturalmente em relação com ela, como se fosse um órgão. De quais órgãos se serve, em sua atividade, a potência da alma a que denominamos “intelecto”? Ninguém jamais supôs que a atividade do intelecto residisse nas unhas ou nas pálpebras, e tampouco nas narinas ou nos lábios. Todos concordam em pensar que ela se localiza dentro de nós. Mas alguns debateram para saber de qual órgão, dentre os que existem em nosso interior, o intelecto se serve em primeiro lugar. Alguns o colocam no cérebro, como numa espécie de acrópole. Outros lhe deram como veículo o próprio centro do coração, no ponto do coração que está privado do sopro terrestre. Quanto a nós, sabemos que nossa razão não está nem dentro de nós como dentro de um vaso, pois ela é incorpórea, nem fora, porque está ligada a nós, mas que ela reside no interior do coração, como dentro de seu órgão. Aprendemos isto, não de um homem, mas de Daquele mesmo que criou o homem e que disse nos Evangelhos: ‘Não é o que entra, mas o que sai da boca que mancha o homem’ (Mt. 15, 11). Pois ‘é do coração que provêm os pensamentos’ (Mt. 15, 19). O grande Macário diz a mesma coisa: ‘O coração dirige todo organismo, e quando a graça ocupa as pastagens do coração, ela reina sobre todos os pensamentos e todos os membros. Pois é ai que está o intelecto e é ai que estão todos os pensamentos da alma’. Assim sendo, nosso coração é o lugar do pensamento, e o primeiro órgão carnal da razão.”

O intelecto, diz o sábio, enquanto está em prática, permanece nas representações deste mundo; quando alcança a ciência, vive na contemplação e quando se acha na oração, ele vive no informal, aquilo que chamamos de lugar de Deus.


Coração, intelecto, mente, entendimento, razão, espírito, alma... eis um emaranhado de terminologias que se interligam e correspondem a atividade espiritual. A língua grega é aquela que apresenta o rico poder de nomear a sutileza de tantas nuances para o lugar de Deus em nós.

Quando falamos de Conquista da Mente de forma espiritual, necessário nos faz adentrarmos no universo da Oração, entendermos também que todo gérmen de pecado nasce e cresce na mente. O auto-conhecimento é a senda de descoberta de vários utensílios orgânicos e necessários ao nosso crescimento enquanto homem, enquanto ser dotado de razão, razão para amar e servir a Deus e o próximo... eis os dois maiores Mandamentos da Lei.

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