Cristianismo e Judaísmo


Bispo NATANAEL de Viena
tradução de monja Rebeca (Pereira)



I)
Quão antiga e dolorosa é esta questão das relações entre o Cristianismo e o Judaísmo.Quanto não há lá, no processo histórico da humanidade, faltas mútuas, ódio, sangue. De um lado o massacre de judeus; do outro, pérfidos homicídios. Enfim, estes últimos anos: a selvagem teoria racista com seus milhares de vítimas, da parte de um dos povos “cristãos” e a influência dos judeus sobre as correntes de transmissão da história humana fazem avançar diante dos nossos olhos a possibilidade totalmente real da judaização de toda humanidade, quer dizer, de sua submissão ao Judaísmo.

Gostaríamos de falar acerca das raízes internas deste gigantesco problema, sem a clareza dos quais não podemos compreender todos os processos que se desenrolam diante dos nossos olhos.

O que é o Judaísmo?
Ele é um humilde cordeiro perseguido por todos, ainda que inocente tal como gostaríamos de representá-lo tantas vezes, ou ainda um espantoso suporte do inferno não se assemelhando em nada com o resto da humanidade, tal como no-lo desenham Rosanov, Ford, propagandistas germânicos?

Com o fim de salvar o gênero e enxertar o sarmento tornado selvagem, logo após a queda do pecado, o Senhor começa a fazer uma escolha dentre os homens: extirpando o que, pela sua perversão radical não pode servir à obra de preparação à salvação e, ao inverso, pondo à parte e preparando tudo o que apresenta um valor.

Todo homem pode fazer a sua salvação, o que quer dizer que ele pode se tornar apto a ingressar no Reino dos Céus. O único obstáculo atrapalhando ou obstruindo o processo que faz a alma humana amadurecer pelo Reino dos Céus é o endurecimento (o cristalizar) no pecado habitual e a permanência nele. E neste caso, pela permanência no pecado, o homem é rejeitado do meio dos viventes porque na criação do mundo por Deus, não existe e nem pode existir nada de insensato: ora a existência do homem que não amadurece pelo Reino de Deus e que não pode amadurecer não tem senso algum.

Podemos dizer o mesmo de povos inteiros. Aquele que sonda os corações, prevendo o ser interior de cada um em particular e de cada povo e tribo, tinha já visto que homem e que povo eram capazes de dar toda vida seu sentido pela maturação pelo Reino de Deus. Ele guardava estes e aniquilava os outros.

Todavia, pela realização da obra da salvação, descobrir homens aptos permanece insuficiente. Era necessário que o próprio processo da salvação se realizasse. Este processo foi criado pelo Senhor, mas era também imperativamente necessário as armas humanas. A parte do homem na obra da sua salvação é mínima, mas absolutamente necessária. O homem não é mais um seixo passivo, o homem é à semelhança de Deus. Ele é uma parcela sem valor, limitada, de semelhança ao absoluto infinito, e pela natural propriedade desta semelhança, ele deve tomar uma parte ativa na obra da sua salvação. O indivíduo, pela melhor e mais ativa parte de sua alma; e a humanidade, pela melhor e mais ativa parte dos humanos.

O Senhor desobstrui com a maior atenção esta parte, a melhor e a mais ativa da humanidade, na sua escolha; Ele faz uma escolha. Nas águas do dilúvio, Ele destrói a parte mais má dos humanos: toda descendência de Caim e todos os descendentes dos outros filhos de Adão e Eva, tentados pela fusão com aqueles de Caim. Foi somente protegida a melhor descendência do melhor dos filhos de Adão: Sete.

Com a Torre de Babel, a humanidade se vê atribuir uma nova propriedade: a divisão em línguas. A humanidade até lá unida, é dividida em células nacionais a fim de fazer obstáculo ao mal em sua propagação universal.

Utilizando desta nova propriedade dada por Ele aos homens, o Senhor põe primeiramente, na Caldeia, o homem mais santo, o mais fiel a Deus, que em resposta a uma só palavra do Senhor, deixa a sua pátria, a casa de seu pai e parte em direção a uma terra estrangeira onde, segundo o plano de Deus, aproveitando da divisão dos homens em nacionalidade criadas por Deus, ele não se misturará aos povos que o cercam.

Que imagem radiante de maior desenvolvimento moral nos demonstra este eleito de Deus, Abraão! Partir ao estrangeiro por obediência, tendo recebido de Deus, em virtude deste ato, a promessa de que sua descendência nasceria o Povo de Deus e que nele seriam abençoadas todas as tribos da Terra, Abraão de acordo com a palavra de Deus, está pronto a trazer em sacrifício aquele através do qual deve se realizar esta promessa de Deus, seu filho único, Isaac; tornando-se por este espírito de sacrifício semelhante a Deus, aumentando desta forma sua semelhança a Ele.

É compreensível que Deus deposite justamente sobre este homem a gigantesca responsabilidade de ser pessoalmente e por sua descendência, seu instrumento e participante ativo na obra da salvação do gênero humano.

Eis então de que projeto, o mais elevado pela sua magnificência provém o povo judeu.

A fim de realizar o plano de Deus, este povo deve possuir um leque de propriedades: antes de tudo, ser fiel a Deus. Para a consolidação desta qualidade, ele passa por uma série de provações: escravidão no Egito, peregrinações através do deserto, ser alimentado miraculosamente pelo maná, e com a ajuda providencial de Deus, ele ingressa vitoriosamente na terra prometida. Era necessário que este povo estivesse convencido, pela experiência, de que toda a sua força está no seu Deus, a fim de que compreenda que ele é (re)devedor de uma dívida de reconhecimento impossível de ser quitada.

Este povo tem por dever o não misturar-se com outros povos, imersos na idolatria. Eis porque, nas primeiras gerações depois de Abraão, ele é forjado a não se misturar com outras nações pelo casamento de cada um daqueles que portam a plenitude da promessa, quer dizer, Isaac e Jacob, com mulheres que não seriam dos povos dos arredores. Todavia, Esaú, ao não cumprir esta condição da Providência, afasta-se e deixa a eleição.

Esta faculdade de não fusão com os outros povos, a separação dentre eles integrou-se com a maior força no tecido espiritual e na carne do povo judeu, e aparece até os dias de hoje como sua propriedade mais característica.

Mas, apesar desta ausência de fusão com os outros povos, o povo judeu deve ser não somente aquele outrora selecionado na humanidade, como também seu representante. Ele deve na maior medida possível, conservar a unidade com toda a humanidade, guardar nele a diversidade humana a fim de que todos os ramos da humanidade possam reconhecer nele suas propriedades fundamentais, essenciais na obra da salvação.

E isto também nós o vemos no povo judeu. O russo e o africano, o francês e o japonês, todos compreendem estes processos da alma do povo eleito, que a Bíblia nos inculcou. E não é em vão que os Santos Padres da Igreja vêem na história do povo judeu a história tipológica de cada alma humana: na captividade do Egito, na fuga para fora do Egito – a liberação do pecado; nos quarenta anos de peregrinação pelo deserto – o desenvolvimento da purificação do pecado; na revolta paralela dos judeus – a dificuldade freqüente dos homens no momento das provações que acompanham esta realização da purificação, etc... “Tu preferiste, ó minha alma, a carne dos porcos e o alimento dos egípcios às delícias celestes, como outrora o povo desprovido de razão no deserto” (Grande Cânone de Santo André de Creta).

Por outro lado, e justamente graças a esta propriedade de sua natureza, os judeus, seja nas primeiras pregações cristãs do Evangelho, ou na propaganda do atual anticristianismo, aparecem como os melhores propagadores de não importa qual movimento em qualquer povo.

Ao mesmo tempo em que ele dotava ricamente o seu povo eleito de todos os dons naturais possíveis, necessários à realização de Seu plano, o Senhor o protegia contra os dons supérfluos, inúteis. Por exemplo, este povo não recebe a força política. Ele não foi chamado a edificar impérios gigantescos, tal como os Persas, os Macedônios, os Romanos. O tumulto exterior, o despertar das grandes evoluções históricas, de pouco sentido em comparação, poderiam ter sido supérfluos, poderiam ter distraído as forças espirituais e físicas do povo santo para uma obra exterior, inferior, Deus tendo concebido para ele algo de melhor: sua participação ativa na edificação do Reino Divino, Reino de todos os séculos, que não terá fim e diante da eleição do qual a glória orgulhosa de Alexandre, de César e dos Romanos, aparece como uma banalidade e uma mesquinharia desprezível.

Alguns fatos são particularmente importantes na história de Israel: importante é primeiramente a preparação exterior à acolhida do Filho de Deus, o tanto que esta obra seja relativamente passiva, externa, e propriamente dizendo, ela poderia ter sido realizada quase que da mesma forma por não importa outro povo ricamente dotado. Nós falamos aqui da criação do Tabernáculo, e em seguida do Templo, do serviço de Deus e de todo o ritual exterior da vida.

No entanto, a este fato está estreitamente e organicamente ligado outro fato de importância na vida do povo eleito: sua pregação moral à chegada em seu seio do Filho de Deus. O terreno deve estar preparado para este encontro. Para receber a plenitude da Verdade divina, era necessário se preparar à recepção e assimilação pedagógicas da Lei preparatória de Deus, de um coração circunciso, com orelhas desentupidas.

Isto está particularmente claro no exemplo do maior dentre os Mandamentos: o amor para com os inimigos.

Para o coração humano pecador, seguro dele próprio, resultado de um longo processo de vida pecadora desde a queda de Adão, através do homicídio de Caim, ainda outros e numerosos homicídios, a vingança contra o inimigo, e não o amor, havia se tornado natural. Uma vingança não conhecia nem limite nem satisfação. Se me partem um dente, eu quebrarei toda figura daquele que me fez isto. Se alguém me priva de um olho, eu o queimarei em fogo baixo, o cortarei em pequenos pedaços e me satisfarei de seus sofrimentos. Pelo exemplo da última guerra, quando os homens, rejeitando a Cristo, vingavam-se ao matarem dezenas, centenas e por vezes milhares daqueles que suspeitavam do homicídio de um camarada, podemos reconhecer o quanto é insaciável a vingança humana.

Dizer sem preâmbulo algum a um homem habituado a uma vingança desenfreada: “Ama os teus inimigos, faz bem àqueles que te maltratam”, seria uma realidade desesperante, palavras lançadas ao vento. Tendo criado a realidade sempre e somente através de coisas reais, Aquele Que é, quer dizer, nosso Senhor, existindo autenticamente e realmente é em tudo realista. Eis porque, antes de dizer “ama os teus inimigos”, era necessário preparar o coração humano, limitado pelo espírito de vingança. E Moisés escreve, segundo a palavra do Senhor: “Olho por olho, dente por dente”.

Tal formulação, mesmo o homem não preparado pode aceitá-la como limite à sua necessidade insaciável e desregrada de vingança, pois esta regra se apóia sobre o sentimento de justiça naturalmente inerente ao coração de cada homem, conservado desde os tempos anteriores à queda no pecado. E se o homem aceita um limite à sua vingança, ele o fará verdadeiramente, e por que entrará em seu ser mesmo esta lei: por um dente quebrado, eu não posso desfigurar um homem inteiramente. Mas só posso lhe retornar o que ele me fez, e por um olho perdido, somente um olho e não uma tortura desenfreada. Estando, então, habituado a frear minha cólera, estarei pronto também a receber a Lei divina do amor e poderei amar os meus inimigos.

E o mesmo com toda a lei moral do Antigo Testamento: ela preparava o coração do homem a tornar-se apto a receber a Lei de Cristo.

Assim, esta preparação se realizaria no seio do povo eleito, que melhor representaria nesta obra o papel do escolhido na humanidade e de seu representante. Se esta obra realiza-se em relação ao povo judeu, ela se realizará em toda humanidade, pois todas as propriedades do homem estão concentradas neste povo, o qual a palavra de Deus designa de preferência como “homens”, em uma medida maior, “homens” ao resto dos humanos. Não é em vão que um dentre eles, neste povo, se chame “Filho do homem”.

O fato mais santo neste povo, em toda humanidade e em toda a criação do homem, era aquele, totalmente oculto por Deus, a todo olhar inoportuno, no qual, pela graça de Deus, se realizaria de geração em geração: a purificação do próprio ser humano, a fim de o tornar apto a acolher o Filho de Deus.

Abraão era um homem de grande santidade. Vemos também nele abismos de perdição no Egito e para com Abimeleque, da mesma medida que seus impulsos espirituais. O Filho de Deus não poderia vir a ele diretamente, nem se unir a ele de uma união total verídica. Todavia, sua santidade não permanece sem frutos. Ele participa pelo espírito e pela carne ao desígnio de Deus, pois de sua semente nasce o Deus-Homem. Disto também falamos acerca de Isaac, de Jacob, de Judá, de David, de todos os antepassados de Cristo que foram espiritualmente e carnalmente seus antepassados. Podemos dizer isto de todos os Justos do Antigo Testamento, porque participaram diretamente à instalação desta atmosfera moral criada por Deus, na qual somente poderia aparecer a mais bela flor da humanidade, capaz de receber nela o Filho de Deus.

O coração estremece quando pensamos e refletimos nisto: como que na paz de uma província da Palestina, preservada por Deus do caos das vias históricas, amadureceria o mais perfeito fruto das melhores correntes da humanidade, sem o qual o Senhor não podia vir aos homens, amadureceria a Toda-Santa Virgem, do nome de Maria.

Israel realiza honoravelmente e dignamente a primeira metade do plano de Deus. Ele preserva a fé verdadeira no meio das trevas pagãs, ao longo de muitos séculos. Ele erige o Templo de Deus, modelo de todos os templos em todos os tempos. Seus Profetas preparam o terreno para vinda do Senhor. Eles “preparam as vias do Senhor, tornam retos os seus caminhos”. Em seu seio crescem a Toda-Santa Virgem e São João, a respeito de quem a boca divina proclama: “Dentre aqueles nascidos de mulher, nenhum foi maior do que João Batista”.

Nada pode ser retirado de Israel, desta imensa glória, desta grandeza sobrenatural de seu destino. Mesmo o que se segue não pode aniquilar a dívida de reconhecimento que toda humanidade lhe deve. E ainda, porque esta dívida de reconhecimento não pode ser apagada, tendo tomado sobre ele uma grande glória, mas também o terrível peso da eleição de Deus, Israel portou este jugo difícil pelos outros povos. Nós, russos, conhecemos em uma frágil medida o peso deste fardo. Nosso “profeta” diz:

“Não esqueça que duro é
para as criaturas terrestres
ser a arma de Deus.
Para os Seus servos
Ele é um Juiz imperioso,
e sobre ti, ó pobre,
tantos pecados horríveis
foram depostos.” (Khomiakov)

Nenhum outro povo poderia ter portado este fardo como Israel o portou. Ele teria curvado-se sob o seu peso e cairia muito mais cedo. A Igreja nos ensina acerca de Adão e Eva: que, ao desaprovar a traição deles para com Deus, não temos o direito de os julgar, pois em seu lugar teríamos feito tanto quanto. Podemos reafirmar, em uma medida ainda maior em relação a Israel, que tendo realizado a metade do plano de Deus nele, traiu a segunda metade que o concerne. Cada povo, em seu lugar, ter-se-ia mostrado ainda pior, ainda mais indigno da escolha de Deus.

A queda de Israel é uma tragédia não só para ele-próprio como também para toda a humanidade; ele fora escolhido; ele é o representante de todo o gênero humano; e o seu realizar da primeira metade do plano de Deus, a preparação à vinda de Cristo consiste não somente para ele, mas também para toda humanidade, uma glória não dissimilada e imortal.

II)
Ao julgamento de Pilatos e às questões dos fariseus que o interrogavam, Cristo dizia que Seu Reino não era terrestre: “O Meu Reino não é deste mundo; o Reino de Deus está em vós” – mas aqueles que acolheram o Seu Reino, o Senhor concede também, em suplemento, como instrumento para servir este Reino, uma glória exterior, terrestre, segundo a Lei que ele havia exprimido: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua verdade, e tudo vos será concedido como acréscimo”. 

A fim de que o anúncio do Evangelho possa se realizar sem entraves, o Senhor dá ao povo romano a possibilidade de criar em estado mundial. Para que este anúncio possa se propagar seguidamente em todo o Universo, o Senhor concede justamente aos povos cristãos forças políticas e conhecimentos gigantescos, jamais vistos.

Certamente, se o povo judeu eleito tivesse realizado o plano que Deus tinha para ele; se em sua totalidade, ou ainda menos, em sua parte fundamental, dirigente, representativa, ele tivesse seguido a Cristo, tivesse desejado unir-se ao reino interior de Deus, sem dúvida alguma, teria recebido ele também em complemento em reino terrestre muitíssimo glorioso e poderoso. Sabendo com que ardor, que abnegação, os selvagens povoados dos celtas, germânicos e eslavos acolhiam a fé cristã, podemos bem imaginar de que admiração, respeito e serviço eles poderiam circundar o primeiro dos povos em Cristo – o povo dos pais do Senhor, pela carne. O respeito manifesto pelos povos cristão para com Roma e Bizâncio pode nos dar uma idéia.

O plano de Deus para humanidade era certamente este, a parte que havia sido preparada a receber o Filho de Deus deveria ser projetada no mundo como o fermento na massa. Por meio deste fermento, todo gênero humano teria amadurecido para o Reino de Deus e o povo eleito teria caminhado diante de todos os outros povos, precedendo todos no caminho da união a Deus, tal como uma guarda primária da Igreja de Cristo.

Seu Templo – o Templo de Jerusalém – altar de toda a terra, ter-se-ia tornado o primeiro templo cristão no qual, no lugar da sombra do Antigo Testamento, sacrifício sangrento, o próprio Cristo teria trazido o sacrifício neo-testamentário de Seu Corpo e de Seu Sangue. E lá, absorvendo totalmente nele todos os elementos do Antigo Testamento ao serviço preparatório de Deus, teria elaborado a Liturgia do Novo Testamento. Todo o povo judeu, que conhece como nenhum outro a diversidade das almas humanas, ter-se-ia dirigido ao prodígio missionário do anúncio do Evangelho à parte não ainda preparada da humanidade. A esta tarefa teria tomado parte também, cada um segundo o talento que o Senhor lhe dera, os outros povos e todos ter-se-iam reunido do Reino de Deus.

Este plano divino foi infringido pela traição de Israel. Ainda que uma fração, a parte mais santa de Israel e da humanidade tenha ido para Cristo – os Apóstolos eram todos judeus e não podiam pertencer a outro povo, porque os demais povos não estavam preparados – mas a base fundamental, mais particularmente dirigente, que representava este povo, uma de suas partes – os sacerdotes, os governantes oficiais, os rabinos fariseus – os dirigentes de fato, não seguiram a Cristo, antes O crucificaram pelas mãos dos soldados romanos, clamando: Que o Seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos.

Somente a primeira queda do homem, a queda no pecado de Adão e Eva pode servir de comparação pela sua gravidade e seu sentido profundo à esta terrível catástrofe que falhou o plano de Deus, o projeto de Deus sobre a história futura da humanidade resgatada e salva por Cristo. Israel é rejeitado – mais justamente é ele mesmo, o eleito de Deus, que rejeita esta escolha de servir Aquele que o escolheu para realizar Seus desígnios.
Houve milhares de razões; todas as tentações e os maus desejos – dos mais baixos, como a satisfação da carne, aos mais elevados, como os orgulhosos pensamentos concernentes a criação sobre a Terra de um estado israelita mundial, do qual falam os Profetas – tudo isto foi reunido, mobilizado por Satanás a fim de arrancar Israel de sua via: ser o instrumento eleito da salvação de toda humanidade.

Façamos uma pausa breve sobre o mais importante, sobre a tentação mais profunda e significativa - aquela do Reino terrestre de Israel refletida pelos melhores pensadores judeus, de acordo com a imagem esboçada pelos Profetas, como aquela do Reino no qual as espadas seriam forjadas e nas quais se apaziguariam todas as tribos da Terra.

Aqui se repete, em uma medida significativa, a história da tentação dos primeiros homens. O Senhor criou os homens para a deificação. Tendo os criado à Sua imagem e à Sua semelhança, lhes deu a missão de aproximar-se cada vez mais à Sua semelhança, tornar-se cada vez mais deuses, tal como diz o Senhor: Vós sois deuses e todos filhos do Altíssimo,e como nos ensina São Basílio o Grande: eu sou criatura, mas recebi o dever de me tornar deus.

E o diabo, enganando os homens contra o Criador, lhes diz: Comei do fruto e vós sereis deuses.

O diabo faz o mesmo com Israel. O Senhor predestinando Israel a ser o instrumento da edificação do Reino espiritual de Deus, lhe teria certamente dado como complemento (como o havemos demonstrado) o reino terrestre. Mas os chefes de Israel dirigiram-se ao reino terrestre, desprendendo-se de sua sorte mais elevada, aquela de ter sido escolhido, de ser eleito.

É desta maneira que dizemos terem transgredido o plano de Deus. Mas, sem dúvida, em partes, somente.

Um homem em particular e todo um povo podem infringir o desígnio de Deus para eles próprios. O destino interior do homem e do povo é confiado por Deus ao seu livre arbítrio. Mas ninguém pode ai contravir em sua totalidade. A sabedoria e o poder de Deus corrigem sem cessar as transgressões de Seu povo, levadas pela força do diabo e a vontade que se afasta dos homens. E todos os poderes angélicos e todos os justos de Deus maravilham-se continuamente deste poder e desta sabedoria de Deus, que sem descontinuar pode tudo corrigir no mundo criado por Ele; e por isso eles glorificam sem cessar o Senhor tal como testemunha São João, o visionário dos mistérios.

A obra da salvação dos homens deve se realizar. E Israel deve dirigi-la. No entanto Israel a rejeita. O quê fazer então? Cristo advertiu os dirigentes de Israel que não pararam, pela desobediência face os desígnios de Deus: Deus pode destas pedras suscitar filhos de Abraão.

Destas pedras, nações e povos também pouco despreparados como pedras à escolha de Cristo, o Senhor erige o novo Israel; os povos cristãos que se tornam pelo espírito filhos de Abraão porque tomam sobre eles toda herança – a obra de Israel – eleito de Deus, Mandamento na obra da salvação da humanidade.
           
O Senhor deu a estes povos, rica e generosamente, as forças e a inteligência indispensáveis para esta obra imensa, as mesmas forças que ele teria dado a Israel se ele houvesse guardado o seu lugar ... e estes povos cristãos, tomando o lugar de Israel, conduziram o mundo a Cristo e à salvação.
            
Todavia, se Israel por toda sua história anterior tivesse preparado a torna-se o guia dos povos na obra de sua salvação, e se a rudeza pagã era extirpada para fora dele ou em todo estado de causa devia ser extirpada, estes povos novos, oliveiras selvagens, chegaram na Igreja não preparados pela história; eles se enxertaram a ela de uma raiz selvagem e não trabalhada e o processo de preparação devia ser longo e complicado. E nós vemos o quanto, em efeito, a cristianização destes povos necessita de imensos reforços e de múltiplos prodígios, durante quanto tempo persistem neles traços muito significativos da rudeza pagã, do peso do espírito, de mediocridade.
            
Israel entra em luta contra estes povos. Repetindo a história do espírito caído do Antigo que detestava o gênero humano antes de tudo porque estes homens desprezíveis, fracos, insignificantes, revestidos de carne e de sangue putrefatos são chamados pelo amor de Deus ao seu lugar, ao lugar de um espírito orgulhoso e poderoso. O Antigo Israel odeia, de fato, sem medidas, os rudes povos pagãos chamados por Deus a substituí-lo na cabeça das tribos terrestres.
            
Israel começará a luta. Esta luta é muito desigual. O mundo pertence aos povos cristãos e pagãos. Israel, tendo traído a Deus, privou-se de tudo o que Deus lhe havia dado para a realização de seu desígnio, exceto os dons de Deus interiores, inaliáveis, sua força espiritual natural.
            
Eis porque a força de Israel, os meios de sua luta só podem ser meios secretos, interiores. Nesta luta, seu profundo conhecimento da natureza humana dado para o anúncio do Evangelho, embora utilizado contra o Evangelho, lhe é muito útil.
            
Tendo traído a Cristo por seguidas tentações de orgulho, de cupidez, e de satisfações carnais, Israel apressa-se em tentar os povos que o substituíram da mesma forma. Por meio de sua raiva para com os povos cristãos, ele assimila-se ao espírito caído, pois sua tragédia é semelhante àquela do demônio, a tragédia deste último é a de que ele é um anjo caído; a tragédia de Israel é a de ser ele o povo que trai a Deus, sendo antes, eleito por Ele.
            
A atitude da Igreja cristã para com o Israel caído é totalmente dúbia: por um lado ela testemunha clara e nitidamente que o Judaísmo não tem direito algum no Novo Testamento de dispor do nome de Israel; a Igreja tornou-se o Novo Israel – a noiva escolhida de Cristo, que justamente a ela e não ao Judaísmo, pertence a plenitude da promessa e dos dons de Deus prometido aos filhos de Abraão, pois Abraão, Isaac e Jacob e todos os Justos do Antigo Testamento pertencem à Igreja e nela entram enquanto parte componente. E com isto a Igreja sublinha sua separação com o Judaísmo em sua vida e em toda relação, enquanto o Judaísmo não se arrepender e não cair em seus pés.
           
Mas, por outro lado, os melhores representantes da Igreja se comportam com a mais profunda compaixão, a mais refinada compreensão diante do trágico destino do Israel do Antigo Testamento. Lembremos-nos das linhas do Apóstolo Paulo, plenas de um amor infinito para como o seu povo afastado. Encontramos semelhantes linhas junto a São Basílio o Grande, grego de origem, mas caloroso amante do Israel do Antigo Testamento, não podendo recordar-se de Abraão sem chorar; ele que em seu amor curou várias almas judias conduzindo-as a Cristo. Encontramos linhas equivalentes em São João Crisóstomo e em outros Santos Padres.
            
Todavia, como já o vemos, nas camadas cristãs profundas, mais exatamente nos povos cristianizados, permanecia ainda muita rudeza pagã incapaz deste amor cristão que regenera. É por isto que o Antigo Israel, no meio das nações cristãs, bebia a humilhação em grandes tragos.
            
E em uma plena medida realizou-se a palavra ameaçadora a respeito do Senhor: “Se não tiveres cuidado de guardar todas as palavras desta lei, que estão escritas neste livro, para temeres este nome glorioso e terrível, o Senhor teu Deus, então o Senhor fará maravilhosas as tuas pragas, e as pragas de tua semente, grandes e duradouras pragas, e enfermidades más e duradouras; e fará tornar sobre ti todos os males do Egito, de que tu tiveste temor, e se apegarão a ti. Também o Senhor fará vir sobre ti toda a enfermidade e toda a praga, que não está escrita no livro desta lei, até que sejas destruído. E ficareis poucos homens, em lugar de haveres sido como as estrelas dos céus em multidão: porquanto não destes ouvidos à voz do Senhor teu Deus. E será que, assim como o Senhor se deleitava em vós, em fazer-vos bem e multiplicar-vos, assim o Senhor se deleitará em destruir-vos; e desarraigados sereis da terra a qual tu passas a possuir. E o Senhor vos espalhará entre todos os povos, desde uma extremidade da terra até à outra extremidade da terra: e ali servirás a outros deuses que não conhecestes, nem tu nem teus pais: ao pau e à pedra. E nem ainda entre as mesmas gentes descansarás, nem a planta de teu pé terá repouso: porquanto o Senhor ali te dará coração tremente,e desfalecimento dos olhos, e desmaio da alma. E a tua vida como suspensa estará diante de ti; e estremecerás de noite e de dia, e não crerás na tua própria vida. Pela manhã dirás: Ah! Quem me dera ver a noite! E a tarde dirás: Ah! Quem me dera ver a manhã! Pelo pasmo de teu coração, com que pasmarás, e pelo que verás com os teus olhos. E o Senhor te fará voltar ao Egito em navios, pelo caminho de que te tenho dito: Nunca jamais o verás; e ali sereis vendidos por servos e servas aos vossos inimigos; mas não haverá quem vos compre”. (Dt. 28, 58-68)
            
Eles tiveram que se ocultar e rastejar durante milênios, beijando a mão de seus mestres, fazendo-se servis diante dos rudes europeus da Idade Média, nos quais ainda havia permanecido tão selvagem e primitivo paganismo não regenerado pelo Cristianismo.
            
Este “judeu” medieval de alma refinada, eleito por Deus para um destino superior, para o Mandamento de toda a humanidade, desprezava evidentemente da maneira mais profunda o grosseiro barão ou senhor que o abafava.
            
E apesar de sua humilhação, estes “judeus” da Idade Média recordavam-se bem do fato de que haviam sido eleitos e guardavam preciosamente as testemunhas de sua proveniência de David ou de Abraão [...].

Comentários

  1. Olá amigos e irmãos. Sou Francisco Ferro de Maceió Alagoas e queria de vocês um favor. Vcs podem me passar os trechos de São João Crisóstomo, São Basílio e os outros nos quais é mostrada a compaixão e o amor caloroso pelos judeus?

    Pois me mostraram outros nos quais eles depreciam os judeus, achando eu que é uma coisa forjada, sem fundamento e mal interpretada.

    Sou judeu, mas também sou Igreja. Acho que a igreja é preanunciada na sinagoga, e que a Teologia da substituição é estritamente bíblica.

    Poderiam me ajudar?

    ieschua@hotmail.com

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  2. Caro Francisco, primeiro perdao por tardar com nossa resposta.
    Espero que nao tenhamos nos desentendido... tb concordo com a sua posicao de ser judeu e ser igreja, no fim das contas Jesus eh judeu, bem como os Stos. Apostolos e Sua Mae Toda-Pura. Quanto aos textos recomendo-te que busque na internet, nao sei ao certo o material que a lingua portuguesa dispoe dentre a grandiosa obra destes Santos Padres da Igreja.

    Mantendo nosso contato,
    Aurora

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