SOBRE O MONAQUISMO CONTEMPORÂNEO

ENTREVISTA COM O ARCEBISPO MARK (ARNDT)
tradução de monja Rebeca (Pereira)



- Vossa Eminência, na sua opinião, existem diferenças significativas entre os mosteiros do Ocidente e da Rússia?

- Vivi toda a minha vida fora da Rússia e não consigo avaliar objetivamente o monaquismo russo. Tornei-me monge depois de ter visto o tipo de vida monástica que era impossível de ter sob os soviéticos, por isso cresci com a experiência de mosteiros no estrangeiro - sérvios e aqueles no Monte Athos. Mas vejo que hoje em dia muita coisa na sociedade — em qualquer sociedade — muda e está em constante evolução.

No Ocidente, aqueles que entram nos mosteiros enfrentam dificuldades baseadas no fato de os ocidentais serem educados no individualismo, num esforço para serem especiais de alguma forma, e por esta razão é difícil partilhar uma cela monástica com outra pessoa. Mais do que isso, é quase impossível. É por isso que muitas vezes abençoo as pessoas para compartilharem uma cela monástica somente após certo período de tempo, permitindo que uma pessoa viva no mosteiro por alguns anos primeiro. Pelo que tenho visto, os mosteiros são organizados de forma diferente na Rússia. É claro que as celas monásticas comuns são necessárias: as pessoas devem relacionar-se entre si e saber como fazê-lo. Comparados ao Ocidente, os monásticos russos enfrentam outros tipos de dificuldades. Por exemplo, aqui é difícil dar a um novato uma cela sem chuveiro privativo. Mas esse problema é resolvido de forma diferente dependendo de onde você olha. Existem mosteiros onde tudo é moderno – já vi isso na Grécia. E há lugares onde isso seria impossível – e graças a Deus. Porque os jovens precisam aprender a simplicidade, no relacionamento com os outros, na vida quotidiana, nas necessidades pessoais, etc. Sem dúvida, é diferente em cada país. Cada sociedade tem as suas idiossincrasias e dificuldades que devem ser superadas.

Um dos maiores problemas que enfrentamos no Ocidente é o apego universal aos computadores, aos telefones, dos quais são sempre oferecidos modelos cada vez mais novos. Essas coisas também são necessárias para nós, monásticos, mas nos mosteiros o uso de tais dispositivos deve ser regulamentado. Você deve entender: uma pessoa que depende de um computador não consegue orar adequadamente. A oração de tal pessoa será sempre superficial. É por isso que o uso da tecnologia moderna deve ser restrito a determinados momentos, restrito a propósitos espirituais. Quando um monge está ocupado cumprindo suas muitas obediências, pode ser difícil para ele se desvencilhar delas durante os serviços divinos ou orações domésticas. É por isso que é especialmente importante ensinar aos jovens como se afastarem das preocupações diárias.

- Talvez este seja um tema estranho para abordar, mas dizem que há um declínio da vida monástica no Ocidente, especialmente entre os católicos. O senhor poderia comentar sobre isso?

- Sim, há certa fragilidade, há falhas que devem ser combatidas e superadas, mas não diria que está em declínio. Tais coisas acontecem em todas as sociedades, em qualquer momento, e não ousamos cair no desespero, num estado de paralisia. Devemos trabalhar para que tudo ocupe o seu devido lugar. O Senhor nos dá enormes oportunidades. As possibilidades que temos agora, especialmente na Rússia, eram poucas e raras no passado – seria melhor dizer que este é um momento muito raro no tempo. Devemos, portanto, agir. Não sejamos pessimistas, mas procuremos hoje o positivo, nesta base podemos construir algo de bom.

No que diz respeito aos mosteiros católicos, há de fato um declínio. Na minha opinião, isto é em parte resultado da atitude geral da sociedade ocidental que se afastou das suas raízes cristãs, mas também resultado do fato de os católicos romanos não terem uma base sólida para a vida espiritual, porque abandonaram a unidade de a Igreja. Fora da Igreja não há salvação.

- Na sua opinião, é necessário que os monásticos examinem os regulamentos e o modo de vida de outros mosteiros no estrangeiro? Ou existe um modelo para estabelecer a vida monástica que todos deveriam seguir?

- Não pode haver modelos definidos a seguir na vida cristã! Se tudo for padronizado, o Cristianismo, via de regra, morre. Não se deve simplesmente copiar alguém ou alguma coisa – tudo é pessoal. Por exemplo, a própria natureza é completamente diferente na Grécia e na Rússia. Isto leva a diversas necessidades e problemas nos mosteiros destes países. Mas é sempre útil familiarizar-se com os costumes e peqeunas tradições de outros mosteiros, aprender algo benéfico ou comparar com os seus próprios costumes. É preciso olhar para os aspectos positivos dos diferentes mosteiros e comunidades e imitá-los se houver necessidade.

- Vladyka, na sua opinião, qual é o principal problema da vida espiritual do homem moderno, de um monge?

- Um dos principais problemas enfrentados pelos cristãos e especialmente pelos monásticos hoje é que as pessoas não estão acostumadas a se conter, a suportar, ou a obrigar-se a fazer qualquer coisa, a assumir obrigações, antes de mais nada, à oração. Por alguma razão, perseguimos teimosa e persistentemente o pecado, mas a boa ação – infelizmente! Um dos antigos Padres da Igreja disse que orar é mais difícil do que cortar pedras. A pessoa hoje é criada para querer tudo na hora, em abundância e barato. Temos uma sociedade consumista, tudo é desejado com rapidez e facilidade. Mas isso não acontece, pois tudo o que é rápido e fácil de obter geralmente não é apreciado. Somente obtendo algo através de grande esforço e persistência é que a pessoa o valoriza muito. É por isso que a persistência na oração exige precisamente esta abordagem, e penso que este é um dos principais obstáculos enfrentados pelo homem moderno, que não está habituado a conseguir nada com paciência e esforço.

A Oração de Jesus é necessária para o homem moderno! 

- A Oração de Jesus é acessível ao homem contemporâneo?

- Claro. Além disso, é absolutamente crucial! Não só os cristãos em geral, mas especialmente os monásticos precisam disso. Mas deve haver desejo e persistência, paciência e amor por Cristo.

- Os afrescos do Seminário Sretensky retratam não apenas santos russos, mas até mesmo ascetas que ainda não foram canonizados, e há um retrato de Feodor Dostoiévski junto com Nikolai Gogol. O senhor fala frequentemente da influência que Feodor Mikhailovich teve sobre o senhor, observando ter ele sido um dos autores mais cristãos da literatura russa. Qual a sua opinião sobre o papel da literatura e da arte no desenvolvimento espiritual pessoal?

- O Senhor emprega vários meios para nos levar a conhecer a verdade. A boa literatura é uma delas, aproximando o homem de Si mesmo, é um dos principais meios que leva a mente e o coração a Deus. Um cristão deve conhecer e ler escritores como Dostoiévski – tal leitura o enriquece espiritualmente. Mas quando uma pessoa já cresceu na Igreja, não há necessidade de distração com literatura leiga. É melhor ler os Santos Padres.

- Os monásticos podem ler literatura mundana? É benéfico?

- De forma muito limitada, pois se uma pessoa não leu literatura antes de ingressar no mosteiro, significa que veio despreparada. Em geral, parece-me que um novato pode ler essas coisas, mas é melhor para um monge evitá-las. Um monge deveria estar ocupado com outras coisas...

- Se um mosteiro carece de um guia de experiência espiritual, se não há oportunidade de revelar diariamente os pensamentos a um pai espiritual, o que deve ser feito? Em particular, esta é a situação em alguns conventos femininos...

- Na minha opinião, um pai espiritual deveria ser secundário num convento – a abadessa deve ser aquela com quem a monja deve partilhar os seus pensamentos. Ou uma abadessa pode nomear uma monja mais velha para aconselhar as irmãs mais novas. Em qualquer caso, penso eu, é melhor quando uma monja pode falar com alguém do mesmo sexo e não com um homem. Um padre, um pai espiritual, pode confessar, o que é um pouco diferente de revelar os pensamentos mais íntimos. É claro que uma abadessa pode convocar qualquer pessoa com experiência espiritual para conversar com suas monjas. Mas tal pessoa deve demonstrar muito tato e abordar com cautela para não interferir nos assuntos internos da comunidade monástica. Na Terra Santa, dois grandes conventos estão sob meus cuidados. É claro que dou alguns conselhos às irmãs, mantenho discussões com elas, mas sempre enfatizo que, no final das contas, a abadessa deve governar. Infelizmente, em muitos mosteiros subestimam a importância de uma abadessa ou de uma monja mais velha.

– O senhor mencionou que o caminho monástico deve ser escolhido com muita cautela. O que quis dizer exatamente?

- É necessário excluir ao máximo a própria vontade e aceitar a de Deus. Em outras palavras, confiar não no próprio conhecimento e na mente limitada, mas no fato de que o coração aceitará a Vontade de Deus, o coração se abrirá ao “orvalho” do Espírito Santo que permitirá à pessoa discernir o bem do mal, o que é benéfico e o que não é.

- E os maiores auxílios para isso são os Mistérios da Confissão e da Comunhão?

- Sim, principalmente. Eu diria que este é todo um sistema dentro do qual uma pessoa deve viver e se desenvolver: a oração, os Mistérios, a revelação dos pensamentos, a Confissão, etc.. O Padre Justin (Popovic) disse uma vez que o principal pecado do catolicismo é o papismo, e o principal pecado do protestantismo é que cada um tem o seu próprio papa, e isso é ainda pior. Esta quebra e ênfase no elemento humano são completamente inúteis para a salvação. Atrapalha o desenvolvimento espiritual, pois o homem está na vanguarda e, no final das contas, não há lugar para Deus. Mesmo que ele pense que está se entregando à Vontade de Deus, na realidade não é esse o caso – é a auto-ilusão que sempre será um obstáculo à comunhão com Deus.

- Como saber qual é a Vontade de Deus? Um dos Padres da Igreja disse: “Para cumprir a Vontade de Deus é preciso saber qual é, o que é uma tarefa grande e difícil”.

- Enquanto uma pessoa for guiada pela sua própria vontade e pela sua própria mente, ela não poderá ouvir o chamado de Deus.

Você entende, a coisa mais importante na vida monástica e na vida de um cristão em geral é a obediência. Uma pessoa só pode alcançar a obediência verdadeira e genuína através da humildade e da mansidão. Só neste caso poderá ouvir a voz do Senhor, ouvir a Vontade de Deus. Uma vida fechada e hermética exige uma grande experiência de obediência, que é possível especificamente numa comunidade monástica. Na vida monástica é raro entrar em reclusão muito rapidamente, isto só é feito depois de muitos anos de vida social, durante os quais a pessoa suprime o seu próprio ego e obtém o hábito da obediência.

- Como escolher um mosteiro?

- Se uma pessoa aspira ao monaquismo, ela deve atender a este chamado e fazer uma escolha consciente de um mosteiro para ingressar. Existem vários tipos de mosteiros. No mundo ortodoxo, cada comunidade monástica tem identidade e características próprias. É preciso escolher de acordo com o coração. Alguns gostam do trabalho físico, outros são atraídos pela contemplação. Portanto, ao escolher um mosteiro, deve-se guiar-se pelas preferências individuais. Por exemplo, [sorrindo] levei oito anos para escolher.

- Como devem os cristãos reagir à terrível epidemia do genocídio dos nossos irmãos e irmãs em Cristo na Síria, Metochia, Kosovo e Sérvia? Será isto islamização ativa ou ações de extremistas radicais, bandidos que apenas assumem o manto do Islão? Sua Santidade o Patriarca Kirill de Moscou e de toda a Rússia, durante uma Liturgia na Catedral de Cristo Salvador em Moscou, leu ao seu rebanho russo a epístola do Patriarca de Antioquia, na qual ele apelou dolorosamente ao mundo inteiro por ajuda, enfatizando que a situação está em uma fase tão horrível que a ajuda é necessária não apenas através de orações a Deus, mas em ação. Mas na sociedade cristã a opinião dominante é que só podemos ajudar através da oração.

- Rejeito a expressão “ajuda exclusivamente pela oração”. Que nós, cristãos, só somos capazes de orar é uma noção falsa. É claro que a oração é o nosso alicerce e a nossa maior força. Mas se pensarmos que tudo o que podemos fazer é orar, nos desviaremos. Sim, devemos rezar, mas também devemos compreender que as pessoas são muitas vezes forçadas pelas circunstâncias a suavizar a linguagem. Se o Patriarca de Antioquia diz isto, baseia-o na experiência da sua própria nação, onde cristãos e muçulmanos sempre viveram em paz. Penso que é incorrecto dizer que só há extremistas a trabalhar lá. Lendo o Alcorão, você verá que tudo isso está na base do Islã. O extremismo existe, é claro. Outros hierarcas orientais afirmam abertamente que conheceram este aspecto particular do Islão durante toda a sua vida. Muitas vezes sirvo em Jerusalém. Ali, por exemplo, na festa da Santíssima Trindade, mesmo ao lado da igreja, um muezzin grita da sua torre que eles acreditam no Deus Único que não tem filhos, nem Filho e Espírito Santo, etc. O que é isso? Propaganda aberta e descarada contra o Cristianismo! Eles sabem muito bem o que fazem, vomitando estes slogans durante a principal festa cristã do Pentecostes, a celebração do nascimento da própria Igreja.

O Islão é, na sua essência, anti-humano. Veja o Ramadã – esta é a mortificação do ser humano, do corpo humano. Vi como as pessoas eram levadas aos hospitais durante a observância do Ramadã. Durante todo o dia eles não comem nada, não bebem nada mesmo durante o calor escaldante, e à noite eles entopem os estômagos a ponto de perderem a consciência – é uma loucura! É preciso olhar a verdade que se desvenda diante dos olhos: tudo isto é anti-humano, é dirigido contra a humanidade.

Sim, houve momentos em que os muçulmanos tentaram viver em paz com os seus vizinhos, até reconheceram que nós, cristãos, também somos pessoas. Mas para muitos, esses tempos passaram e agora revelam quem realmente são.

- Por outras palavras, quando alguns dizem que o que está a acontecer na Síria e noutras nações fundamentalmente cristãs é apenas uma guerra política e não religiosa contra o Cristianismo, é falso? Independentemente disso, podemos dizer que os cristãos que são assassinados por causa da sua fé hoje são mártires.

- Há uma guerra intencional sendo travada contra os cristãos. O Kosovo foi o primeiro na lista de tais genocídios em território cristão. Depois, a Chechênia. Entenda o que aconteceu, uma nação cristã foi simplesmente entregue aos muçulmanos. A destruição de igrejas continua, torturas, fanatismo selvagem, assassinatos. Kosovo, Chechênia, Síria, Egito…

- O próximo objetivo dessas pessoas, sejam elas extremistas ou não, é declarar a Rússia muçulmana. O que devemos fazer, fortalecer nossas orações?

- O mais importante é sermos verdadeiros cristãos. Isto significa participação constante nos Mistérios da Igreja. Se o Senhor concede a alguém a coroa do martírio, significa que a pessoa a conquistou e deve aceitá-la com dignidade.


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