Introdução à Filocalia e à Vida Monástica
PEREIRA monja Rebeca
A
Filokalia é um livro clássico da literatura da Igreja Ortodoxa - coletânea de
textos de autores diversos sobre a Oração do Coração. Filocalia significa
"amor à beleza", “amor pelo belo”, “amor pelo bom-bem”, essa beleza
que se confunde com o bem.
Em
1782 foi publicada em Veneza sob o nome de Filocalia uma grande compilação de
autores espirituais gregos das mais variadas épocas. Com textos de mais de
trinta autores, desde os Padres do Deserto até autores bizantinos do século XIV.
O
sucesso, em português, do livro da Pequena Filocalia, deve-se ao livro Relatos
de um Peregrino Russo. Filocalia é, antes de tudo, o livro da Oração do
Coração ou Oração de Jesus.
Relatos
de um Peregrino Russo é o título em
português de um livro cujo autor é um russo anônimo do século XIX. Trata-se da
narração de sua jornada pelo país, descobrindo os Padres do Deserto como
eremitas, ascetas, monges e monjas vivendo majoritariamente no deserto da
Nítria (Cétia), no Egito a partir do século III d.C.
O
mais conhecido dentre eles foi Santo Antão (ou Santo Antônio, o Grande), que
mudou-se para o deserto em 270-271 e se tornou conhecido tanto como o pai
quanto o fundador do monasticismo no deserto. Quando Antão morreu em 356,
milhares de monges e monjas tinham sido atraídos para a vida no deserto
seguindo o exemplo do grande santo. Seu biógrafo, o Padre da Igreja, Santo
Atanásio de Alexandria, escreveu que "o deserto tinha se tornado uma
cidade".
Praticando
a Oração de Jesus devotamente, com ajuda de um rosário e estudando a Filocalia.
Os Padres do Deserto tiveram uma enorme influência no desenvolvimento do
cristianismo primitivo. As comunidades monásticas do deserto que cresceram
destes encontros informais de monges eremitas se tornaram o modelo para o
monasticismo cristão. A tradição monástica oriental, representada no Sinai,
Monte Athos e outros pólos monásticos, bem como aquela de caráter ocidental,
sob a Regra de São Bento, foram ambas fortemente influenciadas pelas tradições
iniciadas no deserto. Todos renascimentos monásticos da idade média buscaram no
deserto alguma inspiração e orientação. Muito da espiritualidade da Cristianismo
Ortodoxo, incluindo o movimento hesicasta, tem as suas raízes nas práticas dos
Padres do Deserto.
Paulo de Tebas é geralmente creditado como tendo sido o primeiro monge eremita a ir para o deserto, mas foi Santo Antão que efetivamente lançou a semente ao movimento monástico. Em dado momento, por volta do ano de 270 d.C., Antônio ouviu um sermão de domingo afirmando que a perfeição poderia ser alcançada vendendo-se todas as posses, doando o resultado aos pobres e seguindo Cristo (tratando de Mateus 19:21, parte dos conselhos evangélicos). Ele aceita a mensagem e tomando ainda o passo adicional de se mudar para o deserto em busca da mais completa solidão.
Antão viveu num tempo de transição para o Cristianismo - as perseguições de Diocleciano em 303 d.C. foram as últimas grandes perseguições formais aos cristãos no Império Romano. Apenas dez anos depois, ele foi legalizado no Egito pelo sucessor de Diocleciano, Constantino I.
Aqueles
que tinham partido para o deserto formavam uma sociedade cristã alternativa ao
martírio, que era na época visto por muitos cristãos como a forma mais alta de
sacrifício. Nesta mesma época, o monasticismo no deserto apareceu quase
simultaneamente em diversas áreas, incluindo o Egito e a Síria. Com o passar do
tempo, o modelo de Antão e outros eremitas atraiu muitos seguidores, que viviam
sós no deserto ou em pequenos grupos. Eles escolheram a vida de extremo
ascetismo, renunciando a todos os prazeres dos sentidos, ricas comidas, banhos,
descanso e todos os demais confortos. Milhares se juntaram a eles no deserto, a
maioria homens, mas também um punhado de mulheres. As pessoas começaram a ir
para o deserto em busca de conselhos e recomendações dos primeiros Padres do
Deserto. Quando Antão morreu, havia tantos homens e mulheres vivendo no deserto
que ele foi descrito como uma "cidade" pelo biógrafo de Antão,
Atanásio de Alexandria.
Os três principais tipos de monasticismo se desenvolveram no Egito à volta dos Padres do Deserto. Um foi a vida austera do eremita, como praticado pelo próprio Antão e seus seguidores no Baixo Egito. Outro foi a vida cenobítica, formada por comunidades de monges e monjas no Alto Egito, organizados primeiramente por São Pacômio. O terceiro foi uma vida semi-eremita vista principalmente na Nítria e em Cétia, ao oeste do Nilo, iniciada por Santo Amum. Estes últimos eram pequenos grupos (de dois a seis) de monges ou monjas com um Ancião em comum - os grupos separados se reuniam em aglomerações maiores para a celebração dos sábados e domingos. Este terceiro grupo monástico foi responsável pela maior parte dos ditados que foram compilados na obra "Ditados dos Pais do Deserto".
As
pequenas comunidades que formaram à volta dos Padres do Deserto foram o início
do Monasticismo Cristão. Inicialmente, Antão e outros viveram como eremitas,
formando ocasionalmente grupos de dois ou três. Pequenas comunidades informais
começaram a se desenvolver até que o monge Pacômio, percebendo a necessidade de
uma estrutura mais formal, estabeleceu um monastério com regras e uma organização.
Seu regulamento incluía disciplina, obediência, trabalhos manuais, silêncio,
jejuns e longos períodos de oração.
O
primeiro monastério totalmente organizado sob Pacômio incluía homens e mulheres
vivendo em celas (quartos) separados, até três pessoas em cada. Eles se
apoiavam tecendo e fazendo cestos, além de outras tarefas. Cada novo monge ou
monja tinha um período probatório de três anos, que terminava com a aceitação
completa no grupo. Todas as posses eram mantidas comunitariamente, as refeições
eram feitas em conjunto, em silêncio. Duas vezes por semana jejuavam e se
vestiam com roupas simples de camponeses, com um capuz. Diversas vezes por dia
se reuniam para rezar e para as leituras, e se esperava que cada um dedicasse
períodos de tempo sozinhos, em meditação sobre as Escrituras Santas. Havia
também programas específicos para os que chegassem ao monastério sem saber ler.
Pacômio
também formalizou o estabelecimento de um Abba (pai) ou Amma (mãe), responsável
pelo bem-estar espiritual dos seus monges e monjas, com a implicação de que os
que se juntassem o monastério estariam também se juntando a uma nova família.
Membros também formavam grupos menores, com diferentes tarefas comunitárias e
com a responsabilidade de cuidar do bem-estar uns dos outros. Esta nova maneira
de viver cresceu a ponto de haver dezenas de milhares de monges nestas
comunidades organizadas nas décadas seguintes à morte de Pacômio.
Um
dos mais antigos peregrinos ao deserto foi doutor da igreja Basílio de
Cesareia, que levou a "Regra de Pacômio" para a Igreja Oriental.
Basílio também expandiu a ideia de uma comunidade ao integrar os monges e
monjas na comunidade mais ampla de cristãos, com os monges e monjas atuando sob
a autoridade de um bispo e servindo os pobres e necessitados. Conforme mais e
mais peregrinos visitavam os monges do deserto, a literatura que ali se
originava começou a se espalhar. Versões latinas de histórias originais gregas
e ditados dos Pais do Deserto, assim como as primeiras regras monásticas que
saiam do deserto, guiaram o desenvolvimento monástico inicial do mundo
bizantino e, eventualmente, no ocidente também.
A
Regra de São Bento foi fortemente influenciada pelos Padres do Deserto, com São
Bento clamando seus monges a lerem as obras de João Cassiano sobre os Padres do
Deserto. Os "Ditados dos Pais do Deserto" foram também amplamente
lidos nos primeiros mosteiros beneditinos. Muitos dos monges e monjas criaram
uma reputação de santidade e sabedoria, com pequenas comunidades seguindo
determinados Anciãos santos e sábios, que era o seu "pai" espiritual
(Abba, ou Abade).
O
mandamento do amor era o guia primário da vida dos Padres do Deserto e formou a
maior parte das histórias e relatos dos "Ditados...". As suas
práticas incluíam não apenas o mandamento de amar a todos, mas também o de ser
transformado pelo amor divino. Para os que viviam a vida comunitária monástica,
isso era especialmente proeminente. Seus esforços para viver sob este
mandamento não eram vistos como sendo fáceis - muitas das histórias daquele
tempo recontam as suas batalhas internas para vencer as emoções negativas, como
a raiva e o julgamento dos outros. Ajudar um irmão monge que estava doente ou
em luta interna era visto como prioritário sobre quaisquer outras
considerações. Eremitas frequentemente saíam de longos jejuns quando recebiam
visitas, pois a hospitalidade e o carinho eram mais importantes do que manter as
práticas ascetas que eram tão predominantes na vida dos Padres do Deserto.
Hesicasmo
do grego para "quietude, silêncio, descanso, tranquilidade" é uma
tradição mística e um movimento que se originou com os Padres do Deserto e era
central às suas práticas de oração. Para eles era primordialmente a prática do
"silêncio interior e da oração contínua". Ele não se tornaria um
movimento formal com práticas específicas até pelo menos as práticas de oração
meditativas bizantinas do século XIV, ao aproximar-se da Oração de Jesus ou
"Oração do Coração". A origem desta oração também deve suas origens
aos Padres do Deserto - a "oração de Jesus" foi encontrada inscrita
nas ruínas de uma cela daquele período no deserto egípcio. A mais antiga evidência
escrita à prática pode ser um texto da "Filocalia", por Abba Filemon,
um Padre do Deserto. A oração "hesicasta" era tradicionalmente
praticada em silêncio, com os olhos fechados - não como "uma forma de
meditação discursiva sobre diferentes incidentes da vida de Jesus Cristo".
As palavras "hesicasta" e "hesíquia" foram frequentemente
usadas nas obras dos séculos IV e V dos Padres do Deserto, como Macário do
Egito, Evágrio Pôntico e Gregório de Nissa. O título hesicasta foi utilizado
nos primeiros anos como um sinônimo de "eremita", contrapondo os
cenobitas, que viviam em comunidades.
As
vidas dos Padres do Deserto eram preenchidas com a recitação das Escrituras -
durante a semana, eles cantavam os salmos enquanto realizavam os trabalhos
manuais e, durante os finais de semana, eles realizavam Liturgias e serviços
religiosos comunitários. A experiência dos monges na cela ocorria de várias
maneiras, mas o papel da meditação sobre as Escrituras era central. Para eles,
a meditação era a recitação oral das escrituras. As práticas em grupo eram
particularmente proeminentes nas comunidades mais organizadas formadas por São
Pacômio. O objetivo destas práticas foram explicados por João Cassiano, outro
Padre do Deserto, que descreveu o objetivo da recitação e do ascetismo como
sendo a ascensão para uma profunda oração e contemplação mística.
A
legalização do Cristianismo pelo Império Romano em 313 d.C. deu ainda mais
força à resolução de Antão sobre ir para o deserto. Ele, que era um nostálgico
pela tradição do martírio, via o isolamento e o ascetismo como uma alternativa.
Quando membros da Igreja começaram a encontrar formas de trabalhar com o estado
romano, os Padres do Deserto também viram nisso um comprometimento entre
"as coisas de Deus e as coisas de César". As comunidades monásticas
eram essencialmente uma sociedade cristã alternativa. Os eremitas duvidavam que
religião e política poderiam algum dia produzir uma sociedade cristã
verdadeira. Para eles, a única possível era espiritual e não mundana.
Excelente!
ResponderExcluirMas recomendo que se aperfeiçoe o texto substituindo algumas palavras mal traduzidas pelas correspondentes corretas em português: monasticismo por monaquismo e monastério por mosteiro. Obrigado.
Ola Raphael, obrigado pela atencao!
ResponderExcluirEm portugues, creio haver uma grande flexibilidade para ambos os termos que vc citou. O que gera certa liberdade a traducoes de textos espirituais. Devemos, no entanto, nao nos restringirmos a regras gramaticais quando o assunto nao trata de dogmas ou verdades doutrinais, onde a liberdade se vê submissa à Verdade que deve ser revelada de forma precisa.
Realmente, o termo monaquismo é menos rude que monasticismo.
No entanto, monasterio, a meu ver, é bem mais correto e preciso do que mosterio. A palavra monge vem do grego monos. Na maioria dos idiomas de paises ortodoxos tanto o termo monge como monasterio conta com as tres primeiras letras M O N.
Grato pela contribuicao! A.O
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