O quê é Iconografia Ortodoxa?

KONTOGLOU Photios
tradução de monja Rebeca (Pereira)


“ E não vos conformeis com este mundo,
mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento...” (Rm. 12, 2)
  
A religião de Cristo é a revelação, por Ele, da verdade. E esta verdade é o conhecimento do Deus Verdadeiro e do mundo espiritual. Mas, o mundo espiritual não é o que os homens costumavam – e continuam a - chamar “espiritual”.

Cristo chama a Sua religião de “novo vinho” e “pão que desce dos Céus”.

O Apóstolo Paulo diz: “Se qualquer homem está em Cristo, nova criatura é. O homem velho passou; eis que todas as coisas se tornaram novas.”

Numa religião como esta, que faz daquele que crê um “novo homem”, tudo é “novo”. Logo, a arte que toma gradualmente forma fora do espírito desta religião, que é inventada para exprimir o seu Mistério, também é uma “nova” arte. Não pode ser comparada a nenhuma outra, tal como a religião de Cristo não é como nenhuma outra, apesar do que muitos possam dizer, não tendo olhos para certos significados transcendentes.

A arquitetura desta religião, sua música, sua pintura, sua poesia sacra, utilizadas como meio, alimenta as almas dos fiéis em espírito.

As obras produzidas neste meio são como passos que os conduzem da terra ao alto dos céus, deste terrestre e temporário estado àquele que é celeste e eterno. Este fato demonstra a enorme distância a ser percorrida pela alma humana decaída.

Por esta razão, as artes da Igreja são analógicas, quer dizer, elevam o fenômeno natural e os submetem à “bela transformação”. Elas são também chamadas artes “litúrgicas”, porque através delas o homem saboreia a essência da liturgia pela qual Deus é adorado e através da qual o homem assemelha-se às Potestades Celestes e percebe a vida imortal.

Pintura eclesiástica litúrgica, a pintura de adoração nasce, antes de tudo, em Bizâncio, onde permaneceu a Arca mística da religião de Cristo e foi chamada “Grafia dos Santos” (Hagiografia), ou pintura sagrada. Juntamente com as demais artes da Igreja, o propósito da Hagiografia não é o de dar prazer ao sentido carnal, mas antes transformá-lo para o sentido espiritual, para que, por meio das coisas visíveis deste mundo, possamos ver o que ultrapassa este sentido. Desta forma, deve ser negado o caráter teatralmente ilusionista desta Arte.

A arte ilusionista ganhou terreno na Itália, durante a conhecida Renascença, por ser a expressão do Cristianismo que, deformado pela filosofia, tornou-se uma forma materialista e mundana do conhecimento da Igreja Ocidental, igualando-a a um sistema secular. Assim, tendo a teologia seguido a filosofia dos antigos, a pintura que expressa esta teologia também seguiu a arte dos antigos idólatras. O período foi bem chamado “Renascença”, pois para dizer a verdade, nada mais era do que o renascimento de um antigo modo carnal de pensar presente no mundo pagão.

Da mesma forma como aqueles teólogos estavam buscando com sede as fontes da filosofia, a fim de provar e entender a límpida e fresca água do Evangelho, “jorrando para a vida eterna”, assim também os pintores que resgataram a Renascença não estavam em posição de entender a profundidade mística da Iconografia litúrgica oriental, ou seja, a arte sacra de Bizâncio. Assim como os teólogos pensavam poder aperfeiçoar a religião de Cristo com filosofia, por parecer-lhes fácil, igualmente não estavam aptos a penetrar na profundidade desta divina simplicidade; este processo repetiu-se com os pintores, que pensavam estar aperfeiçoando a arte litúrgica mais simplesmente chamada bizantina, tornando-a, no seu entendimento, “mais natural”.

Assim, puseram-se a trabalhar, copiando faces, vestes, edifícios, rochas, tudo que lhes parecia natural – fazendo uma iconografia com o mesmo racionalismo que os teólogos estavam buscando no campo teológico. Mas o tipo de teologia que se pode obter do racionalismo é exatamente o tipo de iconografia religiosa que pode ser extraída de uma  cópia da natureza.

É por isso que suas obras não têm Mistério e nenhum caráter realmente espiritual, limitando-se a representar diante dos olhos humanos alguns homens enquanto Santos, mas não Santos, realmente. Observe-se atentamente algumas pinturas da Mãe de Deus, “Madonas” que posam hipocritamente, e aquelas em lágrimas, chorando, mais falsas ainda! Corpos e ídolos para engolir os homens! Nossa gente, que durante séculos recebeu uma grande e profunda influência e vivência da religião de Cristo, mesmo parecendo externamente mal educada, chamam uma mulher que pretende ser respeitável, mas que realmente não é, a Frankopanagia, de uma “Virgem Franca”, fazendo, desta forma, uma clara distinção entre a Virgem Franca e a verdadeira Virgem, a Mãe de Cristo, nosso Deus, a austera Odiguitria, Aquela que é chamada de “mais venerável que os Querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins”. Em outras palavras, no seu mais simples modo de vida, são capazes de fazer uma distinção inteligente entre a arte do mundo e a arte pertencendo ao culto.

Pintores religiosos ocidentais, que quiseram desvendar as visões sobrenaturais da religião, tomaram como modelos alguns fenômenos naturais – nuvens, pôr-do-sol, a lua, o sol com seus raios e, com isto, tentaram figurar a celeste glória e o mundo da imortalidade, chamando algumas coisas meramente sentimentais e emocionais de “espiritual”.

Em vão, todavia. Porque a beatitude da outra vida não é uma continuação da felicidade emocional deste mundo, e não tem nenhuma relação com a satisfação dos desejos que os sentidos gozam nesta vida. O Apóstolo Paulo, falando sobre as coisas boas da beatitude que virá, afirma: são “o que o olho não pode ver, nem o ouvido pode ouvir, e que não entraram no coração do homem.”

Como, então, neste mundo que mente acima de tudo, pode um homem tudo alcançar com seus sentidos? Como pode este mundo ser retratado por uma arte que é “natural” e que apela aos sentidos? Como pode ser retratado “o que ultrapassa a natureza e os sentidos”?

Certamente, o homem tomará elementos do mundo perceptível para tornar capaz de expressar “o que ultrapassa o sentido”. Ele deve desmaterializar estes elementos, ele deve elevá-los a um plano superior, ele deve transmutá-los do que é carnal ao que é espiritual, tal como a fé transmuta os sentimentos do homem, mudando-os do carnal ao espiritual.

Assim, até os elementos materiais que a iconografia bizantina tomou do mundo dos sentidos foram supra naturalmente transmutados em espiritualidades, e desde que passaram pela pura alma do homem que vive de acordo com Deus, tal como o ouro pelo fogo no cadinho, expressam, tanto quanto possível, para o homem que veste um corpo material, o que o Apóstolo Paulo diz, “que o olho não viu, e que não entrou no coração do homem.”

A beleza da arte litúrgica não é uma beleza carnal, mas uma beleza espiritual. É por isso que quem julga esta arte por parâmetros mundanos diz que as figuras na pintura sacra de Bizâncio são feias, repelentes, enquanto para um homem que crê, ela possui a beleza do espírito, que é chamada “a beleza de transformação”.

O Apóstolo Paulo diz, “Nós (que pregamos o Evangelho e vivemos de acordo com Cristo) somos... um suave odor de Cristo para aqueles que se salvam, bem como para aqueles que se perdem. Para aqueles que têm neles o cheiro de morte (da carne), cheiramos à morte; para aqueles que têm em si o cheiro da vida, cheiramos à vida” (II Co. 2,15ss).

E o bem-aventurado São João Clímaco diz: “não há asceta que, vendo uma bela pessoa, seja homem ou mulher, não glorifique o Criador desta pessoa com todo o seu coração, e por meio dum mero lance, seu amor por Deus jorre com frescor, podendo até derramar lágrimas. No entanto, preservar a beleza desta forma já incorruptível, mesmo antes da morte, deve irradiar a comum Ressurreição.”

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